Na sala, nada mais que um espelho. Nada a contemplar, a mirar os olhos com
desprezo, nada que sequer lembrasse o brilho da última alma que ali estivesse.
Parede, parede, parede; Espelho. Ele, com sua imponência e profundidade,
não aceitava presença que não fosse refletida por seu brilho.
As pegadas não deixavam a impressão dos lugares que conheceram
e, quando deixavam, logo eram ofuscadas por toda auto - suficiência e
altivez do Espelho.
Por mais que nada passasse imperceptível aos olhos do Espelho, a melancolia
de manter-se só parte do tempo criava entrave em sua visão; só
se enchia de contentamento quando um ser se aproximava, mas pouco sabia aquela
vaidade que abria a porta que o estado de torpor que tomava conta do Espelho
era por ver sua beleza refletida no brilho dos olhos de quem se admirava.
A agonia em apressar os passos de quem se aproximava para poder ver-se refletido
era tamanha, que ludibriava os olhos daquele ego escravo da vaidade, enchendo-o
dos mais belos traços, suscitando naquele ignaro animal certezas e belezas
nunca antes percebidas sequer pelo melhor fotógrafo. Naqueles passos
de aproximação, o repugnante ser que se enchia de orgulho ao se
ver tão bem refletido passava a perder a noção do tempo
e espaço enxergando somente e tão somente os contornos magnificamente
desenhados pela luz refletida. Duas vaidades que se alimentam do brilho por
cada uma produzida, miram-se com tamanho desprezo e repugnância que é
preferível não enxergar ao Espelho a ter que ver esta falha na
alma, ofuscando o brilho e magnificência da aura que se esboçou
nos breves segundos de aproximação.
Enfim, próximos e tão distantes quanto o chão do céu.
O único entrelaçamento de vontades era o de ver-se nos olhos de
quem se admirava nos seus sofisticados engenhos de luz e sombra.
Tal vontade transforma-se rapidamente em vício e, ao menor vislumbre
de descontentamento do ser refletido, logo cria uma luz e uma sombra para amenizar
o defeito. Precisava que o ser se sentisse Deus, para que este não lhe
privasse o direito de nutrir sua vaidade, cada vez mais insaciável. Para
não perder a chance de ver-se criava uma ou outra imperfeição,
para que o insignificante gastasse mais alguns minutos com seus olhos em frente
ao Espelho; criando, assim, uma relação de interdependência.
Conseguia neutralizar pensamentos insistentes da mente de quem emprestava seus
olhos para que o Espelho pudesse se admirar e, por vários minutos, tornava-se
alvo da mais alta atenção.
Ao virar-se, um estalo. Na sala, nada mais que um espelho. Nada a contemplar,
a mirar os olhos com desprezo. Parede, parede, parede; Espelho.