Havia uma janela a havia um sorriso. Dois copos de vinho a um homem morto na
calçada...
1
Acabou a agonia. Naquele dia ele recebeu a noticia, passou no vestibular. Saiu
para comemorar com os amigos e despedir-se da antiga vida. Os dias passam mais
devagar quando a luta não chega ao fim. Mas agora é o fim. O começo
de outra história. Assim ele pensava enquanto dirigia o automóvel
que seu pai havia lhe dado aos 18 anos. A felicidade transbordava no seu semblante
jovem a potente, os amigos gargalhavam fazendo brincadeiras com quem passava
por eles. A diversão, o alivio, tudo completando-se, tornando para Jorge
o melhor dia de sua vida. Neste ano ele faria 21, poderia considerar-se adulto,
uma nova fase de momentos bons parecia surgir diante de seu olhar otimista.
Aquele dia nunca acabaria.
Após a pequena bagunça com os amigos foi para casa. Lá
estaria a família reunida para lhe dar os parabéns. O pai orgulhoso,
a mãe vaidosa a os dois menores irmãos vendo nele um herói,
um exemplo. Quando a campainha tocou, ele já sabia, era ela, a menina
de seus olhos, a grande inspiradora de seu sucesso, Cláudia.
Um abraço a um beijo estalante, o amor, a riqueza e a vitória,
os amigos e a família feliz. Além disto o que mais o agradava
era saber que era, apesar de jovem, um rapaz equilibrado a bom. Não havia
ninguém que tivesse una reclamação dele. A junção
de todas as coisas sonhadas a concretizadas estavam ali, dentro a fora, física
a mentalmente oferecendo?lhe a sensação de perfeição
a eterna alegria.
Jorge presenciava tudo com os olhos a as mãos a os ouvidos. Frisava
na alma aquele dia. Frisava em si todo aquele poder que lhe invadia a mesmo
assim não o fazia orgulhoso. Frisava humilde.
O sol está amarelo e o céu azul, o crepúsculo virá
predestinando arco-íris para os próximos dias, o jantar com enorme
sabor de sorriso; a Cláudia, a poesia em si, colorida e sensual. Quantos
adjetivos lhe passavam pelo canto dos olhos, as sombras nunca foram más,
nem nunca serão, nem nunca serão!
Lua, até a lua veio saudá-lo, a abriu sua luz para noite e compartilhou
com as estrelas seu espaço no céu.
Ao deitar-se, Jorge abriu seu caderno na última página e colocou
na última linha um ponto final, olhou para cama, sorriu a gargalhou uma
gargalhada sóbria, voltou ao papel e traçou na vertical um risco
sobre o ponto. Ele resumia seu dia com um ponto de exclamação.
2
Agora o dia amanhece como uma prece. Férias a fotos. Namoro. Descanso.
Prazer. Jorge passa os melhores dias de sua vida. Com Cláudia, que já
estava na faculdade, ele passava dias de intensa alegria. A paz em sua alma
transbordava para todos os lados a sentidos, ulna grandeza vetorial de paz.
Cláudia sentia-se cada vez melhor ao lado do amante, sim, pois para
ela a palavra amante não vinha colorida com a vulgaridade popular, amante
era a palavra certa para Jorge, amante do verbo amar, do estar disposto ao toque,
aberto aos prazeres românticos, que ela de maneira alguma considerava
brega, pois seu romantismo era original, tinha cor pastel a não cor de
divindade. Amante, quem propõe amor e não invade, se mescla. Os
adjetivos, sempre pairando nos sonhos da bela a doce Cláudia.
Havia um sorriso sadio no relacionamento dos dois que parecia protegê-los
de qualquer mácula. Eu diria que um conto de fadas onde todos vivem até
que o monstro apareça.
3
As aulas começam. Os trotes começam também a Jorge se
delicia com as brincadeiras a com as novas amizades fornecidas com estes jogos.
Mas houve alguém que lhe chamou atenção especial, um calouro
que fazia curso diferente do seu. Era um rapaz alto, com o corpo forte, mais
forte que o seu, mas que superficialmente não parecia nada incomum. Mantinha
um estilo básico assim como Jorge, e, portanto, aparentemente não
causava impacto. Mesmo sendo alto não era do tipo que as pessoas, ou
melhor dizendo, as garotas olhassem. Também não era feio, de uma
beleza comum, mesmo com olhos claros.
Nem mesmo Jorge sabia explicar o porquê deste interesse que surgiu do
nada, mas que ao primeiro olhar provocou?lhe bizarra sensação.
A primeira vez que o viu foi no hall da reitoria, quando olhava uma pequena
exposição de fotos, cujo o tema era a morte. Talvez as fotos lhe
proporcionaram a má impressão que teve de César. Sim, porque
o interesse surgido do nada não parecia bom. Jorge, ao fitá-lo
olhando distraidamente para as fotos, sentiu uma repulsa e um nervosismo rápido,
não passando de um minuto, mas que fez com que saísse imediatamente
daquele ambiente. Pensou na sua poesia viva. Sentiu alivio.
Aquele alívio não bastou para que ele parasse de relembrar aquela
imagem repetidamente. Um ponto de interrogação parecia surgir
em sua cor feliz, a se olhasse mais distante, veria opacas reticências
sussurrando vertigens.
O que o intrigava era o fato da súbita alteração no seu
estado de espírito. Para não pensar mais nisto, concluiu que esta
alteração deu-se por causa das fotos mórbidas que observara,
nada mais.
4
Pela segunda vez que deparou-se com César pôde constatar que não
foram absolutamente as fotos que o fizeram sentir aquela repulsa. Pensou que
poderia haver uma relação inconsciente com as fotos, quando a
repulsa repetiu-se, mas logo descartou a ideia. Não acreditava
nestas coisas de inconsciente a parecia mesmo não ter o mínimo
interesse em estudá?las, via como urna questão de gosto pessoal.
Desta maneira não havia saída a não ser admitir que definitivamente
não tinha ido com a cara do sujeito em questão. O ponto de interrogação
persistia. Nunca se deparara com tal situação emocional, sentia-se
infantil por isso. Vale frisar que este segundo "encontro" deu-se
no dia seguinte. Afastou-se rapidamente do local onde encontrava-se a foi ao
encontro de Cláudia. Pensar em Cláudia lhe fazia bem, sempre.
Não quis comentar com Cláudia a respeito disto, mesmo porque
estando ao seu lado esquecia-se por completo de todas as coisas. Ele era seu
amante.
Cláudia, no entanto, percebeu certa diferença em Jorge. Pensou
ser coisas da faculdade. Ela sabia dos trotes, talvez fosse isso. Fazia menção
de chover, ele não gostava de tempo ruim, talvez fosse isso...
5
Anoiteceu a uma noite não tão tranquila deu-se no sono de
Jorge. Insônia a uma sensação estranha, a figura de César
não lhe saía da mente. Ligou a tv a via nada, um nada tão
indiferente que ele mesmo não percebia. Pegou o telefone pra falar com
Cláudia mas achou que era muito tarde, aliás, lembrou-se que o
bom-senso recíproco dos dois era a coluna vertebral de seu relacionamento
perfeito. Sentiu-se feliz por isso a bocejou. Deitou-se na cama a com os olhos
abertos contemplou a meia?escuridão do quarto.
No outro dia não vira César a até o anoitecer não
se deu conta de sua figura. Porém a insônia fez-se presente mais
uma vez, oferecendo?lhe a oportunidade de lembrar do que havia esquecido...César.
Ate então é claro que Jorge não sabia o nome deste invasor
mental que persistia sobre seus olhos interiores fazendo-se enxergar. Aquilo
o afligia, pensar em alguém que nem sequer conhecia, pensar assim, parecia
impossível. E o pior não era apenas pensar, mas o sentimento de
repulsa que a imagem de César the provocava, e ainda a sensação
bizarra no corpo físico que a repulsa lhe oferecia friamente. Alias,
a repulsa era fria, era a vilã, enquanto a sensação fazia-se
quente, uma volúpia febril a não era volúpia, parecia-se
com.
Adormeceu quente.
Ao acordar sentiu-se cansado, o que lhe provocou raiva. Raiva da noite, raiva
da insônia, raiva. Raiva.
Claudia, quando o viu, novamente sentiu algo estranho. Ela mesma não
entendia isso. Calou o pensamento, era melhor assim. Além do mais, o
toque, cúmplice do desejo, confundia em um o que era dois a confundido
os dois não havia mais nada a pensar, nada, nenhum vestígio de
dois indivíduos no instante do toque.
6
Uma semana passou-se sem que Jorge visse César, a insônia dos
dois dias passou assim como veio, imperceptível. Ao chegar em casa Jorge
foi convidado pelo irmão do meio a assistir um filme, mas sabendo ser
um filme de suspense recusou o convite. Ele não gostava de filmes de
suspense, achava?os inúteis a repugnantes por não fazerem parte
de sua perfeição, de nada se tirava proveito desses filmes, eram
besteiras criadas pelo mundo contemporâneo, era um vácuo que não
permitia luz. Aconselhava seu irmão a insistia para que ele pegasse filmes
mais construtivos, mas ele parecia indiferente com seus argumentos. Mesmo assim
seu irmão lhe mostrou a capa do vídeo insistindo, por sua vez,
que iria lhe fazer bem degustar o horror dos personagens. Jorge pegou a capa
na mão forçado pelo irmão a leu destacada a pulsante a
palavra MORTE no título. Largou logo o que segurava em cima da mesa a
entrou em seu quarto. Aquela palavra estava ali a não sairia mais, cravava-se
em seu pescoço procurando um lugar definitivo. Morte?César?Insônia
era a palavra inteira vindo a tona no cérebro de Jorge. Morte?César?Insônia.
A febre, a repulsa, a volúpia que não era volúpia. Jorge
sentia-se pulsar por si só, tudo parecia abrir e fechar a assim sucessivamente,
pulsando, esmagando?aliviando, retraindo?contraindo a pontos finais sucessivos
a sucessivos a sucessivos a sucessivos.
7
Após a agonia que Jorge sentira já notava-se algo estranho em
seu comportamento. Para si mesmo perguntava constantemente como aquilo era possível.
Ele que tinha uma cabeça equilibrada de repente, do nada, começava
a sentir coisas inimagináveis. Primeiro aquela aversão, depois
a insônia a em seguida a agonia. O maior incômodo, porém,
era perder seu tempo mental naquela paranoia, a ele previa: o pior parecia
não ter chegado. Pensar nisso tudo fazia?o se lembrar de tudo a sentir
tudo novamente. Como o seu astral pôde decair tanto em tão pouco
tempo? Ele não sabia, e mais, não podia controlar. Assim os dias
foram passando e nestas alturas ele nem se lembrava de César pois estava
preso à sua transformação.
Cláudia notara que Jorge estava mais distante a isso fez com que ela
tivesse ciúmes. Ela não notava seu próprio ciúmes
pois era calado, silencioso. No entanto já não tinha as mesmas
sensações que sentia desde o começo do namoro há
dois anos. As sensações eram menos intensas... Cláudia
permanecia calada como seu ciúme.
A família não se importou muito com o seu comportamento estranho,
parecia normal já que estar numa universidade é responsabilidade
grande.
8
Um mês a finalmente um colega de Jorge o apresenta a César numa
festa. Jorge estava de costas a portanto não viu quando se aproximaram.
Instintivamente ele recuou um passo, mas como a bebida parece ser desculpa para
tudo, tomaram aquilo como um desequilíbrio físico. Jorge não
ouvia nada a encarava César com pavor, pavor de si mesmo. Estava ali,
uma pessoa que nunca pensou que iria conversar, estava ali a pessoa que começou
tudo. Apertou a mão de César a saiu sem dizer nada. Foi para casa.
Cláudia, que também estava na festa, nem percebeu a saída
de Jorge ate que deu-se por sozinha. Aquilo a deixou profundamente magoada e
a lua brilhante da noite parecia despencar formando crateras a crateras na sua
superfície capilar. Neste momento seu ciúme deu um pulo a fez
um aceno no qual Cláudia aceitou impassível. Foi para casa com
as crateras fervendo.
No outro dia Jorge lembrara-se que havia deixado Cláudia sozinha. Quando
viu César reagiu como um zumbi e suas ideias apagaram-se bem como
suas emoções. Chegou em casa a dormiu pesado. Agora teria que
explicar a sua amante o inexplicável. Ele sabia que tinha mudado, seu
cérebro já não recebia as informações exteriores
com tanta perfeição, a com relação aos sentimentos,
parecia não haver nenhum. Tentava explicar isso como consequência
da insônia que lhe abatia de vez em quando a das tentativas de achar respostas
para suas imprevistas emoções. É verdade que já
nem lembrava-se de César mas vê-lo the pareceu crucial, foi ele
o estopim do começo da bomba que ainda não explodira, foi ele
o começo das reticências proféticas a cinzentas...
Decidiu contar tudo para Cláudia a não teve coragem. Mentiu,
disse que bebera demais a se esquecera do mundo. Era a primeira vez que mentia
a isso o petrificava mais, agora ele tornava-se um mentiroso a logo para a sua
delicada poesia humana. Cláudia não acreditou a duvidou interiormente
daquelas palavras. Abraçou seu ídolo na esperança de reencontrá-lo
como o conhecera. Um abraço tão quente que, ao invés de
apagar tudo, tudo uniu com mais intensidade. Aquele abraço mais parecia
um monstro efervescente.
Jorge já não encontrava mais conforto nos braços de Cláudia
e o sol esquentava o asfalto com tanta força que pensou desmaiar. Sim!
Aquilo tudo era um desmaio.
Ainda grudado com os braços em Cláudia viu o seu grande destruidor
passar pela rua. Desta vez não só uma aversão ele sentia,
mas uma raiva tão grande que confundisse com ódio e o abraço
não o desgrudava, pelo contrário, enlaçava?o com pesadas
correntes em brasa.
César e o abraço de Cláudia. Raiva. Aquilo era um violento
ponto de exclamação parente do inferno. César e o abraço
de Cláudia. Ficaram ali, grudados.
9
Todos os dias passara a ver César a fugia tentando alívio no
não?ver. Sua raiva por certo aumentava mais, assim como os olhos de Cláudia
pareciam lhe perguntar incessantemente o que estava acontecendo.
Cláudia teve coragem a perguntou. Jorge não respondeu. Cláudia
disse que já não entendia mais nada que tudo parecia ter mudado
que o céu estava negro que o amante havia lhe abandonado que Jorge não
era Jorge que aquele namoro não era mais um idílio a partiu.
Ele deixou que partisse, sabia que ela voltaria, não poderia terminar
assim: palavras a tchau. No entanto, sabia mais, que sua agonia era maior que
seu amor. Já não questionava nada, sentia sucessivamente agonia,
raiva a pavor de si mesmo.
A perda dos sentidos a das exatas pontuações. Onde estão
as vírgulas a onde está o sol... Jorge já começava
o declínio, pois já não sentia nada, nem mesmo falta do
que estava por escorregar pelas mãos...
Já havia se passado quatro meses desde que Jorge vira César pela
primeira vez. Ele já não sentia mais aquela intensa agonia, estava
acostumado com ela a sua insônia passava a ser uma diversão.
Intrigou?lhe um pouco o que Cláudia lhe disse a fazia perguntas a si
mesmo sobre isto, porém perguntas cruas, daquelas que se referem mais
a uma auto?análise do que ao relacionamento amoroso a colorido que os
dois tinham.
Continuou a ver César constantemente a uma semana passou sem que Cláudia
aparecesse. O dia continuava nublado. Jorge aumentava em proporção
sua raiva. A medida que tudo girava em sua cabeça o mundo perdia cores
a cambaleava. A raiva estava muito maior. E já não vinha mais
em sequências. A raiva era quase vermelha. Jorge já não
comparava-se mais com o que ele era antes, não havia porque discutir
o que acontecia de forma tão forte a embaçada. Aceitou a ideia
de que todos decaíam, quer na mente, quer na alma, quer em qualquer parte
da reta...
10
Entrou no quarto a resolveu ligar para Jorge. Cláudia chorava, tinha
saudades a dúvidas. O que fizera foi covardia, ela não encarou
o amante nos olhos a fugiu antes mesmo de ter a certeza da mudança de
Jorge. Dois anos não podiam acabar assim. Esperou duas semanas na certeza
de que ele ligaria. Nada. Um imenso lago seco apresentava-se sorridente. Tocou
o telefone suavemente, olhou para as teclas numéricas a envergonhou-se.
Uma vergonha de tudo, da separação tão repentina, de si
mesma, de Jorge que não se parecia mais com Jorge, do abraço grudado
a gosmento. Não ligou.
11
Os pais de Jorge já começavam a se preocupar. Perceberam que
Cláudia não havia aparecido mais. Decidiram perguntar. Jorge disse
simplesmente que achava que não namoravam mais. Então ele se portava
tão passivo quanto a isso?... Fazer o quê? Foi a nova resposta.
Passivo. Ele notou sua passividade a odiou a evidência. Algo deveria
ser feito, algo grandioso a ativo, algo de homem, mais precisamente de ser humano.
Compreendeu o estalo que seus pais colocaram em sua cabeça, a aquele
estalo provocava sua consciência, antes tão perfeita a sã.
O sol sumia, as nuvens eram um conjunto de ar verde escuro. O pedestal nunca
existiu.
Naquela tarde, porém, cumprimentou César que conversava com um
amigo seu. Não participou da conversa, mas tentaria nos próximos
dias aproximar-se deste, que tão do nada apareceu. Aquelas perguntas
saltitantes voltaram. Por que a aversão, depois a insônia, depois
a agonia, depois a raiva, depois a passividade e a perda dos sentidos dos neurônios?
Estava passando da porta do silêncio de tudo para o quarto do barulho
doente.
O irmão foi ao seu encontro. Queria conversar, saber o que se passava.
Ele que via antes Jorge como um herói, agora o via com idolatria. Sabia
que seu irmão mais velho não estava indo bem na faculdade, que
o namoro estava ruim, mas principalmente que seus olhos deixavam-se, às
vezes, se concentrar numa loucura livre, acesa a sem cautela. Era isso que o
fascinava, os olhos do seu irmão não sorriam mais com tanta gentileza,
a apenas ele notara, apenas ele notara o ar insano que Jorge respirava.
Conversaram os dois descontraidamente, ate que o menor fez um convite para
assistirem juntos ao novo lançamento de suspense. Jorge aceitou a assistiu
ao filme sem qualquer repulsa comprovando assim suas suspeitas tão inocentes
a tristemente cruéis. Jorge tornara-se um ídolo.
Aquele filme o deixou com gosto de prazer na epiderme. Jantou com os olhos
concentrados no copo de cristal. O copo mantinha uma sensualidade que Jorge
jamais percebera a aquilo o excitava. Uma excitação paralela às
paredes, transversal, completamente transversal...
Foi para o quarto a de repente gargalhou. Um gargalho, o gozo da alma excitada.
Ligou o computador, queria navegar, depois fez algumas amizades fúteis
ate que achou alguém interessante.
12
Cláudia passara a ser uma peça indiferente em sua vida, de ulna
hora para outra já não pertenciam ao idílio a cruzavam-se
poucas vezes pela universidade. Não se evitavam, mas da cumplicidade
do toque para a cumplicidade de ambos em si mesmos... Tornaram-se estranhos
conhecidos de pequenos a discretos abanos de mãos.
Por outro lado Jorge perseguia César com raiva, atento ao que César
pensava ou achava das coisas de tudo. Jorge, intimamente, o desprezava em cada
palavra a atitude. As vezes tinha vontade de bater violentamente em César,
porém controlava-se, rindo interiormente da farsa que proporcionava.
Irritava?o mais a admiração que seu odiado amigo the devotava,
procurando manter-se sempre perto a gentil.
Toda noite conversava com seu especial amigo pela Internet. Na verdade, não
sabia se era ele ou ela, pois identificava-se como M. Aquele indivíduo
a princípio era ridículo por demonstrar-se tão místico,
a era essa a ligação dos dois, pois o que parecia ridículo
para Jorge o fazia rir a se divertir. Eram os poucos momentos de estalos amarelos
que tinha. Desta vez a conversa foi levada de mãos dadas por diabolins
ate o ápice do escuro.
13
<M> Você nunca se apaixonou? < Jorge > Eu tinha uma namorada.
Mas terminamos. <M> O que aconteceu?
<Jorge> Na verdade não sei.
<M> Como assim?
< Jorge > E você?
<M> É melhor falarmos de ti.
<Jorge> Você, que é tão misterioso, acredita que
o amor possa acabar de repente?
<M> Foi isso então?
<Jorge> Não foi o amor que acabou de repente, foi a raiva que
começou a me dominar.
<M> Raiva dela?
<Jorge> Não. Raiva de alguém, de alguém que apareceu
e desde a primeira vez me fez sentir isso. No começo era uma aversão,
uma enorme aversão. Depois a raiva veio surgindo, a surgindo, a acho
que me dominou. Você acredita nisso?
<M> Em quê?
<Jorge> Nesta raiva à primeira vista?
<M> Amor à primeira vista ate acredito, quando estas almas são
gêmeas, saídas do mesmo sopro... mas raiva à primeira vista?
Não seria melhor ódio à primeira vista?
< Jorge > Tento fugir desta palavra, ela seria o topo, onde tenho medo
de chegar. Me deixei levar ate aqui. Não posso it mais longe que isso.
<M> Uma palavra seria um degrau a mais? Seria o ultimo degrau?
<Jorge> Acredito que sim. Sei que mudei muito, fui guiado ate onde estou.
<M> E onde estás?
<Jorge> Exatamente na queda, talvez... isso é bobagem, deixa pra
lá.
<M> Você pode não estar no último degrau mas o que
sente é ódio.
<Jorge> Como sabes?
<M> A raiva passa. O ódio, pelo que sei, é igual ao amor,
mas enquanto este direciona-se em linha reta, o ódio traça vários
caminhos, às vezes, levando ate ao amor.
< Jorge > Isto seria impossível. Não sou gay!
<M>Então sente raiva de um homem, sem?que?nem?praque, do nada,
do invisível?
< Jorge > Acho que sim.
<M> Porém, como eu dizia, o ódio traça vários
caminhos. E se no seu caso não to levará ao amor, poderás
estar realmente em queda.
<Jorge> O que eu faço? Eu até fiz amizade com ele para
tentar alguma coisa, e o pior é que ele me admira. Isso me irrita mais
ainda. Minha raiva em vê-lo é quase mortal. Me responda. O que
faço?
<M> Ou você não faz nada ou você deixa-se deliciar.
<Jorge> Você é louco? Como assim?
<M> Assim como os bons sentimentos, os maus também proporcionam
prazer, isto que quero dizer.
<Jorge> Ainda não entendi.
<M> É simples, o prazer do amor está no sexo, o prazer
do ódio só pode estar na morte.
14
...Na morte... Na morte... Na morte... Na morte... Na morte... a conversa com
M havia terminado ali, a aquela frase repetia-se interminadamente. Mas quem
haveria de morrer? Talvez fosse apenas uma metáfora trágica...
na morte... prazer.. prazer... prazer a morte são concretas palavras
consumidas por gigantescos pontos finais.
Saiu de madrugada com o carro. E a agonia na cabeça. Era agonia ou ansiedade
de consumir algo? Era agonia a era ansiedade sádica. Era ódio.
Um conjunto de sons graves. Sim, ele estava no topo, havia chegado ao inesperado
sem saber que o próprio inesperado estava ali, à sua espreita.
Eram olhos a garras, a arranhavam, gritavam quase cortantes... uma lua sorrindo
macabra... um pesadelo gostoso ante sua consciência, gostoso por fazer-se
prazer pela antecipação... e o carro não bateu.
No outro dia disse a César que precisava conversar com ele, mas no final
de semana, pois a conversa iria ser longa. Para convencê-lo disse com
ênfase que na verdade precisava de sua ajuda. César pareceu irradiar-se
por inteiro, sorriu e prometeu ajudá-lo.
O irmão de Jorge, que the mantinha bizarra idolatria, percebeu sua excitação
pulsante durante a semana inteira, algo estava por acontecer ou já havia
acontecido. Ficava atrás da porta ouvindo as gargalhadas que muitas vezes
ecoava do quarto do ídolo. O irmão mais velho não era mais
a perfeição romântica do mundo, mantinha guardado segredos
ocultos que apenas os dois sabiam, ele tocava a compreendia a insanidade repentina
do ídolo. Ao seu ver, o desequilíbrio era fundamental para a atitude
mental do ser, deste desequilíbrio surgiam as garras c aquele horrível
lado negro que todos possuem.