Um café a um cigarro na mão, sentado no sofá da grande
sala de estar entediava-se com a fumaça que soltava pelas narinas. Nem
todos os dias são bons e saudáveis... o céu estava claro
e as nuvens solenemente se deixavam levar pelo vento. Eram dez horas da manhã
de uma segunda-feira e Luis continuou ali, mesmo após tragados por inteiro
o cigarro e o café. Ele, de certa forma, deveria sentir-se feliz, não
precisava trabalhar muito, vivia de renda, exclusivamente, não tinha
filhos a não tinha mulher, morava sozinho. Alias, me desculpem, ele e
sua gata Diana.
A solidão é diferente quando se tem alguém para cuidar,
ele tinha Diana a pensava logo em comprar mais um gato. Teria, assim, uma família
de gatos para cuidar, gatos que trataria como gente, tal como Diana. A última
namorada que teve morreu atropelada por ele mesmo.
Vera não aceitava o fato de ele gostar tanto da solidão, principalmente
porque vivia em eterna preguiça, vivendo de renda, sem trabalhar. Ele
se incomodava com o falatório sempre importuno de Vera, no fundo sabia
que ela queria morar com ele, viver as custas dele também. Mas um caso
passageiro não se leva em consideração a Luis sentia que
aquele relacionamento, sem dúvida, era passageiro.
Vera sempre lhe perguntava para quem ele iria deixar todos os seus bens e parecia
muitas vezes "disposta" a ter um filho com ele. Não poderia
chamar aquilo de golpe do baú, pois ela trabalhava e ganhava muito bem,
seus pais tinham imóveis a bastaria que morressem para ficar tudo para
ela. No entanto, pior do que a pobre que se dá o direito de sonhar com
a fortuna de algum namorado, está a ganância e a ambição
nos olhos de quem não precisa. E, desta maneira, Luis terminou seu namoro.
Passada uma semana após ter terminado o namoro com Vera, ela liga para
ele a diz que está grávida. E daí? O que queria que o pobre
rapaz fizesse? Ele tinha certeza de que não era verdade e resolveu mandá-la
pro quinto dos infernos! Mas o inferno mal havia entrado na história...
Os telefonemas passaram a ser constantes. Luis já não aguentava
mais. Resolveu que faria uma viagem pra bem longe, onde pudesse aliviar sua
cabeça. É certo que, para sua rotina, tinha sido divertido ver
tanta humilhação por parte de uma mulher tão senhora de
si. Vera vivia contando vantagens mesmo quando ligava só para encher
o saco. Ela não amava e muito menos estava apaixonada por Luís,
disto ele sabia, ela só queria concretizar seus sonhos de mulher absolutamente
rica. Era uma dama da sociedade, digamos assim, e queria um homem agradável
a cheio de amigos como ele.
A viagem se fez. Diana ficou no melhor hotel para gatos do país. Foi
uma das melhores viagens que tinha feito, gastou o quanto pôde e voltou
mais animado do que nunca. Tinha em si um homem livre, absolutamente livre a
independente sem que precisasse trabalhar. Apesar de não praticar nenhum
esporte, coisa que detestava, tinha um belo corpo a seu rosto demonstrava beleza
a simpatia. Achou que Vera havia lhe esquecido, no entanto...
Logo que chegou em seu apartamento, notou que uma das portas não era
a mesma. Chamou o porteiro do prédio, este lhe informou que durante sua
viagem haviam arrombado seu apartamento a quebrado o quanto puderam de seus
móveis a artefatos. O síndico resolveu colocar outra porta e decidiu
que ele ficaria sem pagar o condomínio por um bom tempo, principalmente
porque nunca acontecera coisa assim naquele prédio e não queria
que soubessem da barbaridade. O porteiro que estava de guarda naquele dia foi
demitido por justa causa, tudo feito de modo que Luis tranquilizasse-se,
o que não era difícil fazê-lo. Luis ficou um pouco assustado,
como todos ficariam, mas logo acalmou-se quando percebeu que nada havia sido
roubado.
Foi com espanto que encontrou dentro de seu armário uma nota dizendo
que a vingança ainda não estava feita, que era só o começo.
Assinada por Vera. Vingança? Do quê? Como Luis poderia saber? A
louca estava cada vez pior! Deixou Diana no chão e esta não parava
de miar, parecia que não tinha gostado da bagunça, estava irritada
e mal-humorada. Consolou-se quando Luis a pegou novamente no colo.
Luis levou o bilhete à polícia, que não deu muita bola
pro caso. Mesmo assim ele deixou sua queixa e esperava por mais, também
sabia que Vera não iria pagar o estrago. Ninguém tem culpa das
neuroses de uma louca, que fica louca só porque levou um fora. Se ainda
fosse um fora de alguém que ela amasse talvez houvesse desculpa, não
da parte do amado, mas sei lá, da parte dos que sentem compaixão...
Não passado nem uma semana que voltara de viagem e Vera já lhe
ligava para zombar de sua cara a fazer ameaças.
Luis tinha de fazer alguma coisa. Algo que terminasse com aquela história
insana a descabida de senso. Sendo assim, ligou para todos os amigos, seus e
de Vera, contando do ocorrido. Ele pretendia deixá-la só, definitivamente
só. Como já não era uma pessoa agradável, Vera passou
a ser vista como mulher insuportável. Ninguém ousava duvidar de
Luis. Vera contra-atacou com mentiras loucas e impossíveis, chegando
a dizer para todos que Luis era, apesar de não parecer, um homem extremamente
violento e possessivo. Disse mais, que ele tentara matá-la uma vez e
que a perseguia por todos os lugares. Ninguém acreditou em Vera, dando-a
por louca. Foi literalmente esquecida por todos, ate um comentário irônico
sobre sua lucidez foi escrito por uma colunista.
Luis agora estava vingado e Vera deixou de procurá-lo. Ele, no entanto,
transformara-se. Ninguém percebia e só ele sabia o que acontecia
no mais profundo de sua alma. Um inferno, um fogo, uma vontade de fazer o que
ninguém supunha. Ele sabia que as pessoas o achavam simpático,
mas nunca imaginou que tivesse tantas pessoas prontas para defender sua palavra,
se bem que o próprio comportamento de Vera o ajudou neste caso. Ele sentiu
um determinado poder, não mentiu, estava claro; mas, e se mentisse? Como
sempre falara a verdade e demonstrou-se sincero com todos, um ato seu, uma palavra
falsa, não seria notada. Sincero ou não, as pessoas haveriam de
acreditar em qualquer palavra que dissesse, afinal, ele sempre tinha sido legal
com todos. Ninguém desconfiaria, ninguém.
Pacífico e calmo jamais iriam acusá-lo se, por sua vez, ao invés
de uma simples mentira, pratica-se um ato vil. Não... destes todos são
suspeitos, mesmo o mais carismático. O mais emocionante de tudo, porém,
era que não precisava dissimular o que ele já era. Diferente das
pessoas falsas, bastaria ser o que era com naturalidade. Nem um esforço
a mais nem um esforço a menos.
Encaixava-se tudo tão perfeitamente que Luis sentia-se no inferno, não
como um sofredor. Sentia as chamas, e o calor, e o sopro, e a voz do demônio
em si... soprava, ali, na superfície límpida do seu ego, ele mesmo,
dimensionando-se pro abismo. Abismo tão gostoso aquele que o evocava...
abismo, inferno idílico...
Sorriu e pegou o telefone na mão.
Estavam, então, no lugar mais deserto possível, via-se a noite
clara, a os olhos de Vera excitados com a proposta de casamento que lhe era
oferecida. Deixou os faróis do carro acesos, pediu que ela dançasse,
ele ficaria ali, vendo-a dançar. Colocou uma fita, aumentou o volume...
e o corpo dançante de Vera morria esmagado entre as rodas e o pneu.
Sentiu grande prazer a loucura num inferno que conquistava a primeira alma.
O primeiro troféu para o satanás que seu corpo escondia...
Luis não foi acusado nem sequer citado no processo. Acendeu mais um cigarro
a pegou mais café. Diana, deitada em seu colo, miava satisfeita...