Arnaldo andava de um lado para outro muito nervoso. Já tinha ingerido
inúmeras xícaras de café naquela manhã, fumado uns
10 cigarros, e não tirava os olhos da campainha e da porta de entrada
do seu apartamento. Esperava alguém.
Solteirão, de boas posses, tinha se apaixonado perdidamente pela vizinha,
uma jovem viúva de corpo escultural e beleza extasiante, que todo santo
dia, por meses, da janela, jogava um possível charme para ele. Nunca
tiveram qualquer contato mais próximo, apenas essas trocas de olhares,
e isso bastava para ele.
Cara muito tímido com as mulheres, ele pedira a ajuda do amigo Adalberto
para conquistá-la, já que o outro era muito hábil neste
quesito. Em minutos, o tão esperado toque da campainha acontece. Arnaldo,
então, impaciente, abre a porta para o amigo.
-Graças a Deus você veio, Adalberto! Não aguento
mais de ansiedade, estou morrendo de amor por essa viúva, meu amigo!
É uma paixão louca!
-Você tem que se acalmar e aguardar a hora certa para se declarar, amigo!
Temos que ter um pouco de paciência quando o negócio é mulher!
-Mais você não veio até aqui só para me dizer isso,
veio?
-Claro que não Arnaldo, vim ajudá-lo nessa conquista como combinamos!
-Ainda bem! Pensei que ia me deixar assim nessa agonia!
Em seguida, após este curto diálogo, os dois se sentaram e
passaram a articular um plano de aproximação que tivesse êxito.
Ao final de meia hora tinham chegado a um consenso. O amigo se apresentaria
à bela viúva dizendo ser um vendedor de joias, e que o
vizinho, um seu inconteste admirador e ricaço, era o real proprietário
delas e seu patrão. Arnaldo, por sua vez, teria que aparecer em sua janela,
como sempre, bem sorridente, para ser admirado pela mulher. Tudo acordado, cerca
de vinte minutos depois a campainha do apartamento 302 da viúva é
acionada.
-Pois não cavalheiro, em que posso servi-lo? Pergunta ela após
abrir a porta. O rapaz fica sem ação diante daquele monumento
de mulher à sua frente.
-O que o senhor deseja? Insiste a viúva devido à mudez
repentina do outro.
-Bem, bem, me chamo Adalberto e sou vendedor de joias importadas!
Se não for incomodá-la, posso entrar? Pergunta ele já
refeito da bela surpresa.
-Embora não aja interesse momentâneo, esteja à vontade,
entre! Ordena a bela mulher. Chamo-me Laura! Completa.
-Bem, na verdade senhora Laura...!
-Senhorita cavalheiro, apenas senhorita! Agora sou uma viúva, e por
consequência não estou mais presa a nenhum homem! Se por acaso
me casar de novo, aí sim voltarei a ser uma senhora!
-Desculpe-me senhorita! É que estou aguardando uma remessa de joias
valiosíssimas do Egito para hoje, que certamente combinará muito
bem com a sua beleza! Gostaria de saber do seu interesse, e se poderia vir mostrá-las
mais tarde? São peças lindas e raras!
-Por mim tudo bem, mas quem me garante a autenticidade dessas joias?
-Aí que se encontra o motivo mais forte desta minha visita, senhorita!
Poderia vir aqui em sua janela e olhar em frente, por gentileza?
Curiosa e sem entender, a viúva levanta-se e se dirige à janela
e vê aquela cara de todos os dias sorrindo para ela.
-Não entendi, cavalheiro! O que vejo de minha janela é apenas
a figura feia de sempre, bem deprimente, com um sorriso amarelo em minha direção,
no qual retribuo por educação!
Vendo que o possível caso do amigo com ela havia terminado ali naquela
declaração, e que nem adiantaria dizer ser ele um seu admirador,
e mentir de que seria o rico proprietário das pretensas joias,
Adalberto resolveu então adiantar o seu lado, já que a viúva
era uma mulheraça. Após mais alguns papos regados a elogios e
intimidades, com o terreno bem preparado, ele se despediu dela e foi de encontro
ao amigo. Em minutos já estava junto a Arnaldo.
-E aí, fui bem à janela? Conseguiu ajeitar ela para mim? Pergunta
ele ansioso.
Matreiramente o outro colocou em prática seu novo plano.
-Bem amigo, ela realmente está apaixonada por você, mas está
te achando muito apressado, nervoso e pediu um tempo! A notícia boa de
momento, mas cansativa para mim, lógico, é que ela quer que eu
vá lá todos os dias falar de você, contar tudo, meu camarada!
-Pôxa, é verdade mesmo Adalberto, é verdade? Ela quer saber
tudo de mim?
-A mais pura das verdades! E pode ter a certeza que todos os dias estarei por
aqui a visitando e preparando o terreno para você, e dentro de uns 06
meses no máximo estarão se casando! Pode acreditar, meu amigo!
E eu serei o padrinho desse casamento, podes crer!
-Pôxa, Adalberto, você é um amigão! Nem tenho palavras
para agradecê-lo!
-Olha Arnaldo, esqueça isso, os amigos são para essas coisas!
E a partir daí, Arnaldo passou a ficar mais vezes na janela e torcer,
enquanto ele, às escondidas, se saciava nas curvas da bela e apetitosa
viúva no pequeno sofá de seu apartamento.
-Nem todos têm a minha sorte de ter um verdadeiro amigo! Pensava
alto o outro, debruçado na janela, com um sorriso estampado nos lábios,
mais feliz do que pinto no lixo.