O velho Adolfo, que no passado despertava paixões alucinadas nos corações
das donzelas e matronas, se sentia, ali, naquele momento, um morto para a vida.
Um cigano dos lençóis alheios, grande amante, agora, com seus
80 anos, parecia um caco, imprestável. O tempo não havia sido
generoso, e tinha maltratado bem a sua carcaça, deixando-lhe apenas lembranças.
Mesmo sendo doces, eram somente lembranças.
Lembranças generosas e felizes dos seus memoráveis tempos de garanhão.
Dos grandes bailes, onde era conhecido como "pé de valsa" pelos
seus rodopios nos quatros cantos dos salões. Ele bailava parecendo flutuar
diante dos acordes das melodias, para êxtase das damas e das plateias.
De repente, é chamado pela voz firme e ríspida da mulher.
-Adolfo, hoje eu vou receber a filha da Edite, minha irmã, que vem estudar
na capital, e vai ficar aqui hospedada! Seu nome é Tainá! Ouviu?
Ele, de sua cadeira de balanço na pequena sala da casa, onde pitava um
velho e esgarçado cachimbo, deu a sua concordância em silêncio,
apenas com um gesto de cabeça.
-Quero avisá-lo que não tolerarei gracinhas com ela! Não
quero que se repita o que aconteceu com a Raimunda, nossa empregada, quando
você a agarrou na cozinha! Ta sabendo, velho safado? Espinafrou ela com
o dedo em riste em sua direção.
Ao se considerar ofendido, ele resolveu quebrar o silêncio e se defender.
-Não foi nada disso não, Filomena! Você sabe, ela estava
grávida e ia cair quando a tomei nos braços para evitar o pior!
Só isso, mulher! Que mal há nisso?
-Você a pegou por trás, seu cachorro piolhento, por trás,
tirando proveito do seu farto traseiro!
-Eu apenas quis evitar que a coitadinha caísse de costas e se machucasse!
-E se isso por acaso acontecesse perdesse o seu filho que ela levava na barriga?É
isso, salafrário?
-Você está exagerando, minha velha, está exagerando! Eu
te juro que o "moleque" era do leiteiro! Ele é que vivia com
uns "amassos" com ela, querida! Mente ele inseguro.
-Bem, tudo isso passou e já serviu de lição para você,
seu velho ordinário!Só estou alertando para que tal fato não
mais ocorra para seu bem! Você me conhece!
Após aquele curto e feroz discurso, a esposa se retirou para a cozinha
para preparar o almoço, deixando o velho Adolfo curioso, pensando alto:
-Que diabo de moça é essa que vem para cá?Deve ser daquelas
boas e fogosas que despertam o desejo da gente, só pode ser! Que venha!
Completa ele sorridente, esfregando seguidamente as mãos, procurando
se esquecer de suas precárias condições físicas.
Não demorou muito para se ouvir o estridente barulho da campainha. A
velha, para se adiantar a ele, correu em direção à porta
e a abriu.
-Tainá, minha filha, entre! Falou ela de braços abertos e sorrindo.
-Tia Filomena, como vai a senhora? Não vim incomodá-los? Pergunta
a moça trazendo em suas mãos duas pequenas malas, e já
vendo o velho a comendo com os olhos.
-Que nada minha jovem, é um prazer acomoda-la em nossa casa! Deixe a
bagagem aí que eu a levo depois para seu quarto! Venha conhecer o seu
tio Adolfo!
Neste instante é feita a apresentação.
-Bom dia minha linda sobrinha, e seja bem vinda em nossa casa! Cumprimenta ele
se aproveitando e abraçando-a demoradamente.-Nós esperamos que
a sua estadia aqui seja longa e prazerosa! Completa, ainda com os olhos brilhando
de desejo.
-Eu estou muito feliz em estar aqui! Mamãe falou que são ótimos!
Espero não aborrecê-lo! Fala a moça de seus 18 anos, linda
de rosto, e de corpo escultural formado por insinuantes curvas. Um mulheraço
para delírio do velho Adolfo. Acertara na mosca.
Semanas se passaram, e então a vida mudou drasticamente naquela casa.
O velho começou, às escondidas da mulher, a dar em cima da jovem.
Mesmo sabendo de suas limitações, ele insistia nesses ataques.
Em alguns momentos, mesmo esparsos, na presença de moça, ele sentia
que algo seu dava sinal de vida, renascia, ressuscitava, e isso bastava para
perseguir seu objetivo.
A jovem, por sua vez, de tanto assédio não resistiu, ainda mais
que, embora nova, era carente e fogosa. Sua meiguice e gestos aparentes não
condiziam com a realidade, já que tinha um fogo interior tão forte,
que qualquer chama de outrem, por mais tênue que fosse já servia
para desafogar seus desejos e aplacar a sua ansiedade.
O velho Adolfo, com a sua conhecida perspicácia e experiência,
descobriu isso logo no primeiro olhar e contato corporal, e assim, só
esperou o momento certo para dar o bote. E isso acabou acontecendo quando a
sua mulher foi ao açougue e os deixou sozinho.
-Meu pedaço de mau caminho! Minha flor de lis! Venha pro titio, venha?
Chama ele já a pegando pela cintura e trazendo-a para junto de si.
-Calma, tio, calma! O senhor vai aguentar? Pergunta ela fingindo resistência,
mas se insinuando por lado dele toda fogosa.
-Filha, seu tio é osso duro de roer e já faz muito tempo que só
tenho bucho na mesa, e isso estava me consumindo, agora, um filezinho só
vem a calhar! Pode vir, que o seu tio ta com tudo, venha? Responde ele todo
saliente, sabendo que a mulher ia demorar, pois além do açougue
ela iria à feira, e assim, ele teriam todo o tempo do mundo.
E, sem que a velha desconfiasse, por meses eles mantiveram esse romance até
que, inesperadamente, a jovem apareceu grávida para espanto e desespero
dos dois. Sem saída, e preocupado com o pior, o velho Adolfo, em comum
acordo com a moça e como válvula de escape, resolveu botar o antigo
leiteiro na jogada. Numa bela manhã de domingo e, aproveitando que Filomena
tinha ido à missa, eles deram início ao plano.
-Josué, Josué, velho amigo! Gritou ele acenando da porta para
o entregador de leite.
-Venha cá, venha! Tenho uma boa notícia para você! Completa.
O homem, inocentemente se aproximou e soube através dele que, a jovem
Tainá estava morrendo de amores por ele e tinha vergonha de se declarar.
Josué, um matuto de origem, sem eira nem beira, viu ali uma rara oportunidade
de namorar uma "senhorinha" de posses e boa leitura. Logo houve o
encontro, a apresentação, e o namoro foi questão de dias.
E assim se deu. Eles passaram a ser vistos amiúde de mãos dadas
pelas ruas e praças para alegria do velho Adolfo, que se livrava daquela
paternidade indigesta, como também matava dois colehos com uma cajadada
só, ou seja, o filho da empregada e o da sobrinha já tinha um
pai encomendado: o pobre leiteiro.