O senhor Perácio, com seus setenta anos bem vividos, aposentado, vive
com a esposa, a filha e, o neto numa casinha num bairro operário da cidadezinha
de Santa Cruz.
Nos fundos do quintal montou uma improvisada oficina de soldagens, para fazer
uns biscates para completar a renda e, se manter em atividade. Sempre falava
para dona Mercedes, sua esposa, que aquilo era seu elixir da vida. Um modo de
ocupação de tempo.
Seu neto Tiago, de apenas quatro anos, é a menina de seus olhos e ele,
além de avô coruja, um emérito contador de histórias.
Sempre estavam juntos. Se amavam.
À noite, após cada história, eles rezavam juntos e ele
só saía dali após o netinho adormecer, quando o cobria
e apagava a luz.
-Sonhe com os anjinhos meu filhinho! Fala ele quase num sussurro ao seu
ouvidinho, dando-lhe em seguida um beijo em sua face rosada com um sorriso paternal.
A filha ficara viúva muito cedo e fora morar com eles, para alegria de
todos. Certo dia, o menininho adoeceu tomado por uma febre alta e incontrolável.
Como os remédios caseiros tão úteis não resolveram,
tiveram que levá-lo para o hospital. Após alguns exames, descobriram
uma doença rara em seu organismo. Ai foi uma choradeira geral.
Diante daquela situação emergencial, os médicos, de imediato,
iniciaram os procedimentos de cura. Não podiam perder muito tempo.
A partir desse dia, muito desconsolado, o avô não desgrudava da
cadeira ao pé da sua cama, com o livrinho de história em suas
mãos. Quando Tiaguinho abria os olhinhos, o bom velho e dedicado avô,
com o coração amargurado e ferido, forjava uma alegria que não
passava despercebida pelo garotinho que, em silêncio, compreendia. Nesse
instante:
-Meu filhinho, vovô chegou e como sempre vai te contar histórias
diferentes e divertidas! Só nós conhecemos essas histórias!
Somos sócios nesse segredo! Fechado?
O garotinho, quase num sussurro por ainda estar sob efeito de medicamentos,
tenta ensaiar um pequeno sorriso e responde bem lentamente.
-Fechado, vovô! Não vou contar pra ninguém nosso segredo,
nem pra mamãe nem pra vovó!
O tempo passa e aquela rotina seguia seu rumo. Até que, um belo dia,
a equipe médica resolve chamar e reunir a família para dar as
boas novas. A infecção regredira e, o menininho, muito mais cedo
do que o esperado teria alta. E para alegria de todos, o fato aconteceu. Ele
já se encontrava em casa se restabelecendo ao lado de seus familiares
e, sabidamente do avô. Em pouco tempo já era outro: Brincava, corria
e fazia de tudo.
Quando tudo voltara à normalidade e parecia ir às mil maravilhas,
é a hora do avô adoecer. Ele tinha um problema coronário
e teve que ser internado às pressas também.
Tiaguinho, inconsolável, passou a chorar pelos quatro cantos da casa.
O avô era tudo para ele. Não podia ir ao hospital com a sua mãe,
porque ela não queria chocar seu coraçãozinho vendo o avô
naquela situação. O homem ficava a maior parte do tempo desacordado
a poder de medicamentos. A doença era grave e sem previsão de
cura.
Mesmo pequenininho, ele era muito esperto e conseguiu seguir a mãe. Ouvira
o número oito como sendo o do quarto do avô. E como o velho o tinha
ensinado a contar até dez, ele saberia achar o tal quarto. Já
no local, se esgueirando por entre paredes e pilastras, alcançou o primeiro
andar e logo avistou o número procurado. Numa correria desenfreada e
pegando a todos de surpresa, ele entrou no quarto e se aproximou da cama do
avô que, por sinal, naquele momento, estava acordado. Com o livrinho dobrado
sob os bracinhos, ele falou com aquela vozinha chorosa e lágrimas nos
olhinhos azuis e brilhantes:
-Vô, vô, vim te contar aquelas histórias pra você
ficar bom também! Aquelas do nosso segredo que me curou, lembra?
Ao escutar aquilo e, ver o netinho folhear aquele livrinho sem ainda saber ler,
o ancião não resistiu e foi às lágrimas, conseguindo
com muitas dificuldades respondê-lo:
-Meu filhinho querido, conte essa sua história tão linda e
maravilhosa! Estou precisando muito! Você vai me curar, Tiaguinho! Conte!
-Não, vô! Eu não vou curar o senhor! Esqueceu? É
a história, é ela! É ela que cura! A mesma que fez eu ficar
bom, lembra? Retruca o menininho exibindo um sorriso inocente de felicidade
em seu rostinho, atento e, folheando as primeiras páginas do livreto.
A avó e a mãe do garotinho vendo aquela cena emotiva resolvem,
a partir dali, a levá-lo em suas visitas, deixando assim o menininho
e seu avô radiantes.
Para nova surpresa de todos, alguns meses depois, o quadro do paciente apresentava
acentuadas melhoras. Como estava bem debilitado e desenganado, os médicos
ficaram sem entender essa franca recuperação em tão pouco
tempo e, passaram a creditar o fato a milagres.
O homem então logo recebe alta e, agora, por imposição
de Tiaguinho, passaram a se revezarem nas narrativas, porque essas histórias,
as do segredo, não os deixam adoecerem.