Tarde de domingo, o sol mansamente entregava o dia à branca lua dos
enamorados, das paixões ardentes dos dois jovens, que passeavam de mãos
dadas à beira do rio. Euzébio, jovem vigoroso e trabalhador morava
distante de sua amada, mais de três quilômetros, fazia o percurso
quatro vezes por semana montado em uma mula grande e de nome Ruana, para namorar
Solange.
A moça de nome Solange de poucas prendas domésticas, talvez pela
pouca idade, 17 anos, que aparentava mais, pela sua formação física
avantajada, e com toda perfeição da natureza, a começar
pelos lindos cabelos negros, lisos e longos, tratados com primor com babosa,
retirada dali mesmo da fazenda de seu pai, que fica no município da Cidade
de Goiás às margens do rio Ferreirão. Corpo escultural
e tratado apenas pelas dádivas de Deus, pois, a moça sempre morou
na fazenda e muito pouco visitava a cidade e seus atrativos naturais.
Seus pais o senhor Dito da Chica e sua mãe Ana, ambos vivem na região
a mais de vinte anos, um casal perfeito, desde que Dona Ana ditasse todas as
regras da casa e da fazenda de nome Recanto da Garça.
Euzébio não se cansava de a mais dois meses percorrer os mais
de três quilômetros que distava sua casa a de sua amada. O namoro
era sempre no final do dia, depois do trabalho duro, como sói ser o da
fazenda, lida de gado, plantio de arroz, milho e roçagem dos pastos duas
vezes por ano. Euzébio morava com os pais que possuíam uma venda
a beira da estrada, dentro da pequena propriedade; Euzébio não
gostava da venda e dizia sempre ao pai que sua paixão, além claro
de Solange era a mula Ruana e o gado branco; mesmo solteiro já tinha
suas economias: uma bicicleta barra circular ano 1976, um moto-rádio
a pilha e elétrico, nove vacas nelores e seis bezerras de dois anos,
doze porcos de engorda, um cavalo de nome Gaúcho, a mula Ruana que foi
presente de seu padrinho, trinta e seis sacos de arroz e vinte carros de milho.
O que para um rapaz de vinte anos morador da fazenda, humilde de pouca escolaridade
é muito e tudo é bom dizer tirado dos braços e com muito
esforço.
Euzébio sentia que suas posses já eram suficientes para casar
e Solange era já um namoro sério. Pensou muito e conversou com
a moça. Foi na bucha. O rapaz muito sério e respeitador da filha
alheia pensou, tenho de pedir a mão da moça a seu pai. No sábado
à tarde Euzébio estava pescando piau na loca no rio Ferreirão
que banha os fundos da casa do futuro sogro; muitas pedras e grandes e o rio
fazendo aquele ruído das águas fortes batendo nas pedras; Euzébio
estava com a fieira de fio elétrico com seis piaus e duas voadeiras guardadas,
para o jantar que dona Ana iniciava fazendo tutu de feijão, arroz pilado
no monjolo, feijão roxinho, maxixe e os peixes; que com toda certeza
o Dito levaria para a cozinheira limpos prontos para fritar.
Euzébio foi logo falando seu Dito, queria ter uma conversa séria
com o senhor. - Pode falar meu rapaz! Tô gostando de sua filha e tenho
umas economias e tô querendo casar com ela... Bem meu filho vou ser franco
e rápido com você, porque já já a Ana grita pelos
peixes... Sofro muito com minha mulher, manda demais e não consigo ficar
sem ela. A vida toda ela foi mandona e vou levando e esperando que uma hora
ela melhore. Isto já faz mais de vinte anos. Estou cansado de esperar,
praticamente estou conformado, mas no fundo tenho uma revolta de ter deixado
ela me dominar e pior por completo.
Fico muito satisfeito seu Dito com os conselhos. Mesmo assim quero ser o seu
genro. - Vamos almoçar e lá dentro você pede perto de sua
futura sogra. Quando estavam todos a mesa almoçando Euzébio disse:
dona Ana e seu Dito gostaria de marcar o casamento com a Solange para depois
da colheita do arroz, isto é se vocês estiverem de acordo? Dona
Ana meio emocionada disse, fico feliz meu filho de pedir a Solange em casamento,
vai dar tempo de arrumar o enxoval até final de abril! Tem uma casa desocupada
na beira da estrada, carece de uma reforma, vamos providenciar. A casa é
boa toda de tijolo e chão batido, tem seis pés de caju, quatro
mangueiras abacaxi, um pé de jaca, tamarindo, limoeiro e laranja da terra.
Solange alegre disse que estava muito feliz e que gostaria que seus pais a levassem
na Cidade de Goiás para algumas compras, aviamentos e panos para preparar
o enxoval e conversar com o padre para fazer o casamento na capela da estrada
que ficava ali mesmo na região.
Euzébio achou que demorou muito para chegar a colheita do arroz, que
por sinal produziu duzentos e quatorze sacos, mais do que suficiente para um
casal no inicio de vida, daria até para vender o excedente e adquirir
mais algumas reses uma vez que o sogro, digo sogra cedeu o pasto para o bom
genro. Finalmente chegou o dia 30 de abril, padre, padrinhos, pais dos noivos
e uma meia dúzia de moradores da região que foram prestigiar o
bolo e o casamento de Solange e Euzébio.
Os dias foram passando e o casal vivia feliz com a casinha da beira da estrada
com um quintal limpo e varrido com vassoura curraleira (feita pela Solange),
os capados gordos, também tratados por Solange, sem dizer das galinhas,
patos, galinhas d'angola e uma cabrita já amojando; que futuramente serviria
para amamentar os filhos que certamente viriam. Casal feliz! Seis meses de casamento
e pouco saiam de casa, pois, as tarefas do casal eram muitas e diárias.
Num final de tarde o sogro e a sogra foram visitar a filha e genro. O sogro
logo mostrou interesse de ver os capados no chiqueiro. Lá chegando foi
perguntando, como a Solange mudou o que você fez Euzébio? Ora meu
sogro matei o galo na primeira noite! - Como é isso? No dia que nos casamos
fomos para casa e logo que deitamos o garnisé cantou e eu disse que não
gostava que galo cantasse àquela hora, pois, estava cedo. Novamente cantou
e me mostrei indignado, ralhei novamente. E pela terceira vez o garnisé
cantou incontinenti fui ao poleiro, com um facão tramontina e trespassei
o galinho, levando até o quarto e finquei o facão na porta de
jacarandá, escorria sangue pela porta até o chão batido
e disse, todos que me aborrecem faço isso, não aceito teimosia.
Foi o que aconteceu meu sogro, nunca brigamos ou discutimos. Voltaram para dentro
de casa e Solange já preparava um jantar muito gostoso, guariroba com
arroz, pequi em conserva no óleo, omelete de ovo de pata e feijão
bolinha sem tempero e sem amassar, parecia uma delícia, as vasilhas de
alumínio pareciam espelhos de tão limpas e areadas. O Dito da
Chica foi logo falando minha filha seu pai não está passando bem
e por isso vamos embora, não é Ana? Esta sem entender foi logo
levantando e ficando a disposição de ir embora. Na estrada Ana
pergunta o que aconteceu homem de Deus? Tenho de ir à casa do compadre
Quin para buscar um remédio. Arriou um cavalo baio e, pois a marcha,
logo a noitinha estava em casa, trouxe um galinho carijó, que colocou
no poleiro das galinhas. E logo foi deitar. Ana achou o marido estranho e pensou
que era alguma indisposição com alguma comida. Meia hora após
o galinho carijó canta espremido e tímido por estar em terreiro
alheio, mais do que depressa Dito fala bem severo: não gosto que galo
cante a esta hora! Ana resmunga e fala vai dormir homem! Canta novamente o galinho
bem forte, cheio de si. Ralha vigoroso Dito da Chica. Soa um arremedo de canto
e Dito levanta-se rapidamente, antes mesmo que Ana argumentasse e colocasse
Dito para deitar. Dito foi até o poleiro com um facão de cabo
quebrado, pegou o galo pelo pescoço e torceu com força, estrebuchou
o coitado no chão, Dito enfia o facão nas costas do galo inerte
e leva-o pingando sangue pelo caminho. Bate o facão com força
na porta do quarto e fala bravo, todos que aborrecem são tratados assim.
Ana vira-se para o lado e vê a cena de terror, brava, ralha com o marido,
vá levar para cozinha e depene o coitado do galo! E fala que sabia da
história do genro. Perplexo e sem saber o que fazer Dito caminha para
cozinha para cozinhar o galo, e daí pensou, o galo só mata na
primeira noite.
(17/11/00)