O meu querido amigo Emílio Rouède, que há dias faleceu, foi
um homem espirituoso, que forneceria matéria para muitos contos ligeiros.
Em vez de inventar uma anedota, vou contar-vos uma historieta em que ele figurou,
e que tem, por conseguinte, o mérito de ser autêntica.
A coisa passou-se há um quarto de século pouco mais ou menos. Emílio
Rouède tinha se casado havia poucos meses, e estava estabelecido com fotografia
na Rua dos Ourives, numa casa que foi demolida quando se tratou de construir a
Avenida Central.
Um dia Mme. Rouède, que era uma linda senhora, saiu sozinha à rua,
e foi acompanhada por um impertinente que, vendo-a sorrir, supôs que ela
sorrisse não dele mas para ele.
Ela entendeu que o mais prudente era voltar para casa, e assim fez; o conquistador,
porém, continuou a segui-la imperturbavelmente.
Chegando à porta da casa, a moça olhou para trás, a fim de
verificar se continuava a perseguição, e esse movimento animou o
homenzinho, ao que parece: quando ela entrou, ele entrou também; ela subiu
a escada, ele também subiu.
Emilio Rouède estava no atelier, de blusa, a trabalhar, e, ouvindo
os passos de sua esposa, foi esperá-la no topo da escada.
O sujeito, quando reparou que havia ali um homem, não teve mais tempo de
fugir. Mme. Rouède apresentou-o ao marido:
- Aqui tens este senhor que me tem acompanhado por toda parte, e entrou comigo.
Não sei o que pretende.
- Sei eu, acudiu prontamente o fotógrafo. - Pretende tirar o retrato; não
pode ser outra coisa.
E voltando-se para o desconhecido, perguntou-lhe olhando por cima dos óculos,
segundo o seu costume.
- Busto ou corpo inteiro?
O pobre diabo, que não sabia mais de que freguesia era, gaguejou:
- Busto... busto...
- Faça favor.
E levou uma hora a tirar-lhe o retrato que foi pago, ficando o retratado de ir
buscá-lo daí a três ou quatro dias. Este queria apenas meia
dúzia, mas Emílio Rouêde convenceu-o de que devia encomendar
duas dúzias e meia.
Quando o freguês saiu, Emílio Rouède disse à esposa,
que ria a bandeiras despregadas:
- Tenho pena de não ser dentista, em vez de fotógrafo!
Escusado é dizer que os retratos ficaram na fotografia.