Cesário era um velho daqueles que lembram papai noel, o prateado dos
cabelos contrastava com a tez avermelhada que era contornada pela barba alva,
seus olhos eram dóceis, usava um pequeno óculos redondo com as
pernas emendadas com esparadrapo. Era um homem sorridente, mas sabia ter energia
nos momentos que assim exigia, tinha um pequeno pedaço de terra nos arredores
de uma cidade com pouco mais de seis mil habitantes. Imigrou da Áustria
para o Brasil ainda muito criança na companhia dos pais, em ocasião
da primeira grande guerra. Trouxeram como bagagem apenas um baú marchetado
de madeira maciça.
A pneumonia levou seus pais, casou-se com Eulália, a moça mais
linda do povoado sulino. Ela morreu no parto do ultimo filho. Ele ficou só
e uma renca de 6 filhos, sendo Bernardo o recém nascido.
Francisco o mais velho nasceu em um dia de tempestade, as estradas estavam barrentas
e nem cavalo passava, o pai teve que realizar o parto, os outros nasceram pelas
mãos da parteira caolha Jacobina. Foram quatro filhos e duas filhas em
oito anos de casamento. Cesário criou os filhos sozinho, com a dureza
de quem planta e espera chover, passou pelos árduos anos de inflação
galopante, nunca deixou que faltasse nada do necessário, muitas vezes
deixou de comer para alimentar sua prole.
Nunca ficou devendo nada a ninguém.
Nunca fumou nem bebeu, não conhecia bares nem a zona do meretrício,
nas suas noites quentes de solidão tomava banho frio na cacimba da gruta,
local destinado a meditar e pensar.
Os filhos cresceram, estudaram, se formaram e foram embora formar suas famílias.
Cesário ficou só.
Uma lenda envolvia o velho Cesário, diziam que tinha um baú enterrado
na gruta e que lá guardava toda a riqueza acumulada de uma vida toda.
Muitos apostavam que no baú havia libras esterlinas de quatro gerações
de parentes, outros afirmavam que eram joias oriundas da família
real austríaca e tinham os que diziam que ele havia transformado tudo
em um imenso colosso de dólares.
Os filhos cresceram no meio do convercê do povoado, Francisco, o mais
velho, foi quem primeiro se interessou pela historia do baú, naquela
época com oito anos de idade e assim por diante cada filho questionava
o pai sobre o assunto, Cesário sempre desconversava.
Um dia reuniu todo seu clã e disse: - Vou falar uma vez só e nunca
mais tocarei nesse assunto, portanto lembrem bem do que vou dizer. O Baú
que todos falam está na gruta, no pé da montanha triangular, em
lugar seguro. Lá existe toda fortuna deixada pelos nossos antepassados,
um dia ela será de vocês, a maior parte será daquele que
for o melhor filho, o melhor cidadão e o melhor cristão.
O velho apesar de morar só, nunca sentia solidão, todos da cidade
o visitava, sempre com olhares para gruta. Nas piores safras, Cesário
era o único que nunca perdia o crédito, todos queriam lhe servir.
Era convidado para festas, comemorações e inaugurações,
mas nunca aparecia. Os filhos estudaram na pequena escola da vila, depois foram
para faculdade pública da capital. Concorriam entre si para as melhores
notas e os melhores empregos. Todos tiveram filho homem com o nome de Cesário.
Revezavam-se no velho sítio para que nunca o pai tivesse solidão.
Nunca esqueceram do Baú.
Cesário caiu doente em um dia de natal, teve o melhor tratamento médico
da capital, tudo patrocinado pelo dinheiro dos filhos. Ficou sem andar, as noras
e genros discutiam e queriam exclusividade para cuidar do doente em suas próprias
casas. Cesário optou por ficar uma temporada na casa de cada filho para
satisfazer a todos.
O melhor cômodo da casa era destinado ao avô, tratamento de cinco
estrelas, remédios na hora, alimentação balanceada e a
presença do médico a cada espirro do velho.
Cesário morreu no dia de seu aniversário de noventa e seis anos,
mas não antes de revelar na presença de todos os filhos, o local
onde estava o baú e dizer que todos receberiam a fortuna em partes iguais,
pois todos foram bons filhos e cidadãos exemplares.
O funeral foi na vila em que sempre viveu, foi erguido um tumulo de granito
branco, o mais caro que encontraram, uma placa de bronze homenageava o velho
do baú.
A família estava reunida na gruta da montanha, o filho mais velho, com
ajuda dos irmãos, empurrou a pedra grande que dava fundo a gruta, retiraram
outras pedras menores até que avistaram o baú.
O baú estava envolvido por um plástico transparente amarrado pela
boca com uma corda de nylon azul. Era uma caixa de madeira pesada de mais ou
menos dois metros por um, era marchetada em tonalidades negra, marfim e vermelho,
os desenhos formavam situações de rotinas domésticas com
personagem orientais.A tampa estava emperrada e precisariam de ferramentas para
abri-la, as noras pediam para que destruíssem a tampa com auxilio de
uma pedra pontiaguda, os genros optaram por destruir todo o baú para
que pudessem ver logo o conteúdo.
A filha mais velha foi quem pediu silêncio e determinou: -Levaremos o
baú até a casa de meu pai e lá, vamos abri-lo com a delicadeza
necessária para não estraga-lo, afinal, ele pertenceu a varias
gerações.
O transporte do baú foi deixado para o outro dia, estava noite e mal
enxergavam a estrada de retorno a casa.
Com baú exposto sobre a mesa da cozinha, Francisco, com auxilio de varias
chaves e outras ferramentas, conseguiu abrir o tampo maciço.
Todos aproximaram da mesa, netos, genros, noras, filhas e filhos compartilhavam
o acontecimento.
Foi quando Francisco observou que o baú estava completamente vazio, via
apenas um pedaço de papel encardido no fundo da caixa:
"Se o povo for conduzido apenas por meio de leis e decretos impessoais
e se forem trazidos à ordem apenas por meio de punições,
ele apenas procurará evitar a dor das punições, evitando
a transgressão por medo da dor. Mas se ele for conduzido pela virtude
e trazido à ordem pelo exemplo e pelos ritos em comum, ele terá
o sentimento de pertencer a uma coletividade e o sentimento de vergonha quando
agir contrário a ela e, assim, bem se comportará de livre e espontânea
vontade". - Confúcio.