A Garganta da Serpente
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Cosmozoários

(Andrios S. Moreira)

NOS DIAS DE HOJE, A HUMANIDADE ACREDITA cegamente que os mistérios da terra já estão, indiscutivelmente, revelados; que essas pequenas descobertas corriqueiras são apenas pontos mínimos que não desdobram em nada nosso conhecimento.

Porém, sou testemunha de que muitos mistérios ocultos ainda escondem-se nos cantos escuros e inacessíveis do nosso planeta.

Doravante, citarei o mar; não os oceanos usados como rota para frotas navieiras - muito embora o fato extraordinário que presenciei se sucedeu em uma praia - mas sim, as regiões abissais; as fendas que deslocam-se fundo nas águas salgadas, longe demais da luz solar, onde a pressão é insuportável ao corpo humano.

Cito também, que um antigo cientista russo chamado Aleksandr Oparin formulou uma teoria que, para a época, foi desacreditada, porém, depois do fato insólito que presenciei, torna-se uma das melhores explicações.

O fato é que Oparin apresentou à ciência, uma teoria chamada "cosmozoários", onde alguns seres vivos que habitam nosso planeta seriam oriundos de bactérias vindas do espaço. Uma vez aqui, proliferaram-se, em harmonia com o clima e as condições terrestres, e originaram as mais variadas espécies (a meu ver, de características morfológicas estranhas) habitando os oceanos, visto que eram os lugares mais propícios a vida na alvorada da pangeia.

No entanto, não quero perder tempo explicando velhas teorias. O leitor, ao final de meu relato, verá o porque da menção dessa teoria.

Na região litorânea do Rio Grande do Sul - e do Brasil também - existem várias praias, muitas delas, com forte movimento de turistas no verão. Particularmente não gosto de praias onde haja fervor de pessoas, então, quando o sol radiante parecia queimar a pele, optava por praias mais desertas, onde poucas pessoas desfrutavam de mais tranquilidade.

Eu sempre banhava-me na região em que as dunas eram mais altas, pouco movimento, onde pequenos grupos reuniam-se para o descanso. O lugar era tranquilo, a única desavença era o pobre Noé, um velho marinheiro que enlouquecera depois de anos em cima de um navio e agora andava de um lado a outro, contando a mesma estória para as pessoas que frequentavam o lugar.

Noé falava que, quando cruzava os mares com seu navio, falara com alguns habitantes de uma ilha no meio do atlântico, que diziam vir do mar. Noé jurava que suas peles eram azuis, que suas faces dispunham apenas de olhos e algumas cavidades semelhantes a guelras no lugar onde deveria estar o nariz e a boca. Os ouvintes dividiam-se em três grupos. Os que escorraçavam-no por acharem tratar-se de um velho louco e ranzinza, que perdia horas contando estórias fictícias; os que não davam atenção aos seus relatos; e os mais velhos, que o conheciam desde suas navegações, e juram que Noé enlouqueceu após voltar de uma viagem, quando pela primeira vez contou a estória a todos. Esse último grupo não acreditava nos seus relatos, mas sabiam que um homem lúcido e confiante não enlouqueceria de vez, e desconfiavam que algo muito grave aconteceu para que Noé ficasse com a mente abalada.

Os dias de calor transcorriam assim, com banhos tranquilos no mar, tendo que ouvir as insistentes estórias de Noé sobre os "homens azuis"; até aquele dia...

Dezenove de janeiro de 1987; a rotina na praia renovada; as pessoas começavam a chegar por volta das dezessete horas, após saírem de seus respectivos empregos. O pessoal mais velho - na maioria, aposentados - estranharam o comportamento do velho Noé naquele dia. Não mais contava suas estórias, apenas murmurava algo como:

- "meus amigos virão me buscar hoje"...

Um dos veteranos relatou-me que, a certa hora da tarde, Noé falou com um menino que jogava futebol na areia. O menino ficou olhando-o perplexo até que sua mãe o surpreendesse e o levasse embora, não antes de escorraçar verbalmente o pobre velho. Segundo o veterano, o menino não falou o que ele ouviu do marinheiro, apenas insistia para que sua mãe o levasse embora dali, agindo estranhamente enquanto olhava, assustado, para o mar. A criança não descansou enquanto não o levaram.

Noé não mais se aproximou para contar seus causos, ficando sentado, bem afastado, em uma duna, olhando para o mar...

Naquele dia, a maré estava levemente revolta. As horas passavam, enquanto as pessoas divertiam-se nas pequenas ondas que chocavam-se nas dunas. Noé, ainda no seu lugar, na mesma posição, não movia nem um músculo.

O dia poderia ter sido rotineiro e tranquilo se não fosse os aterradores fatos que aconteceram nessa hora em diante...

Quando o sol tocou o horizonte, algo extraordinário demais emergiu das águas; causando pânico e histeria nas pessoas. Tratava-se de uma curiosa espécie humanóide, com diversas peculiaridades que o tornava agressivo demais aos olhos humanos. Sua pele reluzia uma tonalidade azul-oceânica, onde dificilmente distinguia-se onde era pele ou água. Em seus membros superiores, havia barbatanas semelhantes a dos peixes, que ficavam entre os dedos da mão e na parte posterior dos braços e antebraços. Algas brancas e águas-vivas podiam ser vistas sobre o seu corpo, mas pareciam não causar desconforto, como certamente ocorreria em contato com pele humana. Uma grande barbatana era visível em suas costas, começando do lugar onde deveria estar o osso "atlas", e terminando na região da cintura, percorrendo toda a coluna vertebral. Nos membros inferiores, as barbatanas destacavam-se nas panturrilhas, deslocando-se até o final do Tendão de Aquiles. Neste primeiro momento, não pude ver seus pés, pois ainda estavam submersos. O mais aterrador, sem dúvida, era a face da criatura. Dois olhos de uma coloração verde luminosa, ascendiam de complexos e distorcidos músculos orbitais; e uma espécie de guelras - quatro, para ser mais exato - localizadas no lugar onde deveriam estar o nariz e a boca. Uma criatura grotesca e repulsiva em todos os sentidos, exatamente como Noé os descrevia...

Ela balançava-se de um lado para outro, como se procurasse o equilíbrio para ficar em pé (isso deveria ser pelo fato da criatura estar acostumada a nadar, e dificilmente locomovia-se em terra firme). O mais estranho porém foi a atitude do velho Noé, que saiu apressadamente na direção do monstro e o abraçou, como se fossem irmãos que há muito não se viam. O monstro retribuiu o gesto, e logo depois apontou com o dedo na direção do mar, onde algo muito mais desconcertante estava por emergir...

Com o sol ainda visível, um reflexo quase cegador - como um metal que reflete uma luz - fazia com que eu tivesse que transpor os braços na frente dos olhos para evitar a dor.

Alguns segundos se passaram, até que novamente pude olhar. Antes tivesse saído daquele lugar para não ter de presenciar tal visão da loucura... Uma nave gigantesca, algo que assemelhava-se ao tamanho de um estádio de futebol, sobrevoava o horizonte, fazendo com que toneladas de água se deslocasse de volta ao mar devido a pressão que tamanho objeto causava ao emergir.

Enquanto aquela aterradora nave - ou, como dizem os estudiosos, OSNI* - dirigia-se para Noé e a criatura submarina, eu não conseguia mover um músculo, imobilizado pelo medo perante aquela degradação da realidade. Mais desconcertante ainda, era a parte inferior da nave. Enquanto a parte superior projetava metais desconhecidos, escotilhas de materiais estranhos e projeções que assemelhavam-se a antenas ou canhões, iluminando as nuvens refletindo os derradeiros raios solares; a parte inferior era composta de matéria puramente orgânica, parecendo uma imensa cavidade oral, arredondada, onde dentes pontudos circundavam toda a extremidade da nave. No centro, um gigantesco "olho" movia-se em várias direções, rapidamente, na ponta do que sugeria ser uma "língua", como se procurasse algo.

Quando a nave estava pairando acima de Noé e a criatura submarina, o "olho" começou a iluminar-se e um raio - algo parecido com luz fluorescente - atingiu os dois, fazendo com que se deslocassem verticalmente em sua direção. Em toda a minha alma, um terror inominável assomava a loucura sugerida. Nesse ínterim, apenas pude urdir que o velho e o ser submarino foram, na verdade, transportados para dentro da nave através daquele raio. Segundos depois, a mesma alçou voo rapidamente para o céu, até parecer-se com uma estrela no firmamento e sumir na imensidão do universo.

O sol já havia se posto no horizonte, quando voltei de meu estado catatônico. Ao redor, constatei que não havia mais ninguém e, agora, o medo de que aquela aberração alienígena voltasse para me abduzir fez com que eu corresse em direção a comunidade mais próxima. Não conseguia me conter. Não ousava olhar o mar nem as estrelas.

Obviamente, nunca descobri a origem daquelas aberrações. Poderia tal fantástica civilização dividir espaço com a humanidade no planeta, sem que essa última soubesse? Serão eles hostis? E, em todo o seu ocultismo cósmico, seriam eles oriundos das bactérias alienígenas sugeridas na teoria dos cosmozoários? Certamente, é algo que não saberemos jamais, ou até o dia em que a humanidade acordará do terrível sono "racional" para descobrir que algo apocalíptico e sobrenatural está coabitando este planeta.

Não ouso comentar com ninguém. Por hora, apenas permaneço dentro de casa, procurando não olhar o mar, nem o céu estrelado, pois o medo constante daquela aterradora visão domina a minha mente, tornando me prisioneiro dessa terrível lembrança.

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