Estávamos no fim de Outubro de 1957. Os dias já eram curtos
porque a hora tinha mudado no principio do mês; mas a temperatura em certos
dias ainda era quente, as noites refrescavam um pouco a partir das 10 horas
da noite, com manhãs frescas até o sol se levantar um pouco. Estávamos
no último domingo do mês.
Nesse dia inesquecível para mim por dois motivos; primeiro por ter encontrado
o pai da rapariga com quem namorava, e que veio a ser minha esposa dois anos
mais tarde.
Segundo pela história que vou passar a narrar com a veracidade que a
minha memória ainda me transmite neste momento.
Era noitinha quando um beijo estalou e com ele me despedia da mulher que amava.
O caminho para casa era longo, mas nessa ocasião o tempo ou distancia
não era fronteira; apenas um objetivo, amar.
A barriga manda nas pernas, e é ela que lhe dá força e
coragem; ora como as minhas forças estavam a ficar esgotadas para o caminho;
levou-me a barriga a entrar numa taberna para comer uma patanisca de bacalhau
e beber um "meio quartilho" de vinho.
Foi ai que encontrei o pai da minha namorada, conversando com amigos; tive de
mandar vir meio litro para poder oferecer, e não fazer uma feia ação.
Aí principiou a conversa, e talvez dúvidas foram retiradas do
pensamento do progenitor da minha rapariga amada, a conversa prolongou-se por
mais de uma horas, com momentos agradáveis, outros, que me faziam procurar
uma resposta adequada; a minha escola era mínima, criado sem pai, depois
dos seis anos; mas tinha-me procurado educar com livros que eu podia deitar
a mão e jornais do dia.
Ora como é natural eu procurava deixar uma impressão, sem que
fosse recriminado, ou que a namorada sofre-se pelas minhas ações
impensadas.
Creio que consegui os meus intentos; na despedidas estendeu-me a mão
e uma palmada amiga nas costas, dizendo vai meu rapaz, deixai-me dizer-vos de
passagem; era um homem forte, um palmo mais alto que eu, mas afável.
Segui o caminho; ao passar à ponte do Rio Ave em Caniços, encontrei
um rapaz da freguesia de Delães e colega de trabalho, seguimos a estrada
conversando, parando aqui fumando ali, o tempo ia passando; quando reparei no
relógio eram perto de 10 horas da noite; e eu a cerca de meia hora de
caminho de casa; dei boa noite ao colega e segui os atalhos mais curtos, mas
também mais duvidosos segundo as lendas do povo .
Esses atalhos vieram desembocar as presas da Saldanha, Freguesia de Novaes;
as presas eram alimentadas por uma fonte nascente mesmo do lado oposto da quinta
da charneca; propriedade do Dr. Fernando Pires de Lima; homem que escreveu o
primeiro verso que li na minha vida, era assim. Livro de terceira classe:
A Vila de Santo Tirso
De pequenina tem graça
Tem um chafariz no meio
Dá de beber a quem passa
Essa quinta era murada com um muro creio com três metros de altura, do
outro lado a altura era ainda superior; até chegar ao portão da
quinta, casa do caseiro e vivenda de verão do Dr. Poeta...
Do outro lado da nascente, no alto muro tinha um bueiro, uma saída de
água que seguia para o lameiro contíguo.
Do bueiro saiu um grande cão começando a ladrar ferozmente; fez-me
arrepiar, pois nada esperava naquele momento; depressa me recompus e com rapidez,
fui à outra berma apanhar dois "rebos" pedras; o que me veio
à mão direita era uma coisa mole e movediça , com a força
do desespero aticei-a ao cão; ouvi um bater oco, o cão a retroceder,
e um grande chiiii... era um sapo que me tinha vindo à mão.
Dei dois passos e fui lavar as mãos à fonte, do cão nada
mais ouvi; segui o caminho até ao largo da charneca; ali alguma coisa
caia fazendo algum barulho; os cabelos ergueram, mas logo me apercebi que eram
castanhas caindo do grande castanheiro; o luar dava uma tênue luz, ainda
consegui apanhar duas castanhas, que depois de subir o portelo de cão
como chamávamos à passagem onde subia-mos escadas porque a cancela
estava fechada; comecei a rilhar nelas seguindo meu caminho de passo asseverado.
Tinha andado menos de cem metros, o caminho fazia um pequeno angulo e iniciava
a subida até à casa do Sr. Pinto.
Mesmo nesse angulo encostado às roseiras declinei um volto, que me pareceu
reconhecer; nem mais nem menos que o Joaquim Fiteiro, homem conhecido como amante
do vinho e de andar muitas vezes com o diabo; vinha a cair e eu deitei-lhe a
mão dizendo vamos Sr. Joaquim.
O homem deitou-me o braço sobre o ombro, e em vós cavernosa disse-me;
vaaamos raapaaaz; andamos uns metros, do lado esquerdo a menos de 100 metros
ficava o cemitério e a igreja de Novaes; via no cemitério uma
pequena clareza de luz; em meu raciocínio como estávamos no último
domingo de Outubro, achei natural alguém estar a preparar o mesmo para
o dia dos fieis defuntos e ter deixado o lampejam ardendo.
Nesse momento o homem começou a apertar-me o pescoço, dizendo
em vós cavernosa
Ooolhaaa raapaaaz tu vez aquelas aalmiiinhas a eeentraaar?... eu olhei e parecia-me
pirilampos que se viam à volta do clarão de luz e voando até
que desapareciam no escuridão das Oliveiras do lado da igreja; mas a
vós cavernosa mais se fazia ouvir, como grito dilacerantes a meus ouvidos.
Tive medo por um momento confesso; mas reuni todas as minhas forças,
e com a mão direita ajudando a esquerda, dei-lhe tão grande cotovelada
, que o homem deixou de me apertar o pescoço e caiu; deitei acorrer logo
que me vi livre, e só parei a poucos metro do largo, lugar onde a rapaziada
se entretinha a contar as suas peripécias do dia ou discutindo do futebol.
Ali alguns me esperavam perguntando, vinhas a correr, ao cumprimenta-los, viram
que eu tremia; não descansaram sem saberem o que se passava.
Contei-lhe o sucedido, e retirei-me para comer a sopa, tinha fome, ao outro
dia soube que alguns foram ver o que se passava; encontraram o Sr. Joaquim Fiteiro
caído.
Mas antes foram confirmar o fenômeno dos pirilampos, e com franqueza me
disseram que os bichinhos saiam da terra movida de ter limpado o cemitério
e moviam-se à volta da lamparina acesa ao santíssimo dentro da
igreja; mais tarde soube que o Sr. Fiteiro foi ver o Dr. e esteve umas semanas
fora do trabalho.
Já se passaram 45 anos, mas nunca mais me esqueceu, quando o medo se
juntou à crendice e fez tremer, mas também não me esquece
que a força da juventude o poder que tem contra todos os diabos; para
mim essa noite ficou conhecida como sendo a noite dos pirilampos.