A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Mãos Firmes

(Ana Sampaio)

Difícil tirar os olhos daquelas costas largas de músculos poderosos que se moviam com ritmo sob a camiseta rasgada e suja enquanto ele batia com o martelo na talhadeira e paredes iam sendo derrubadas. Difícil deixar de notar como o suor brotava em sua testa queimada de sol, descia pelo rosto, escorregava pelo pescoço e desaparecia sob a gola da camiseta puída. Patrícia imaginou como seria passar de leve os lábios na pele úmida daquele pescoço, lamber de leve as gotinhas que brotavam em meio à penugem dourada que cobria a parte de trás da nuca. Que gosto teria aquela pele? Certamente não o gosto limpo e civilizado da pele de seu marido, não, algo mais forte e selvagem, gosto de sal, de mar, de tardes quentes e prazeres esquecidos.

O que mais a impressionava eram as mãos. Não eram mãos enormes, não eram exageradamente grandes. Era da firmeza delas que Patrícia gostava. No dia em que o vira pela primeira vez, ele estendera a mão e apertara a dela e ela sentira por um breve momento aqueles calos, aquela quentura. Mãos firmes. Olhando para elas, para o movimento rítmico do martelo golpeando forte a talhadeira, teve vontade de lhe tomar os instrumentos e acariciar aquelas mãos, lavá-las com água morna e espuma perfumada de sabonete, ensaboá-las devagar, passar os dedos sobre as veias saltadas, acompanhando-lhes o desenho, sentir o calor do sangue sob a pele.

Sentindo-se observado, ele virou um pouco o rosto e deu a ela um tímido bom-dia. O martelo e a talhadeira caíram no chão com um estrondo e num gesto rápido, quase elegante, ele puxou pela cabeça a camiseta e enxugou com ela o suor do rosto.

- Ele faz isso de propósito, pensou Patrícia. - Faz para me provocar. Mas como será que ele reagiria se eu jogasse no chão esses projetos e o puxasse pela cintura, agora? Será que ele iria gostar de rasgar essa minha blusa fina de seda, será que iria gostar de arrancar esse jeans que custa o mesmo que um mês do salário dele? E meu perfume de mulher fina, será que iria agradá-lo?

- O Dr. Jairo já chegou?, ela perguntou, colocando os projetos em cima de uma mesa coberta pelo pó fino das paredes recém quebradas, o único móvel na sala em reforma.

- O engenheiro? Ele passou aqui mais cedo, saiu um pouco antes da senhora chegar...

Senhora. Eu não sou senhora, não, menino, não tenho idade nem pra ser sua mãe! Nem sou essa mulher chique que você pensa que eu sou, se você me provocar sabe o que eu faço? Te jogo nesse chão...

- Essa aqui é a última parede que vamos derrubar. Depois começamos com a parte da pintura. Agora não deve demorar muito mais!

Com entusiasmo de menino ele mostrava a ela o resultado de seu trabalho braçal. Parecia implorar pela aprovação dela.

- Isso é muito bom, respondeu Patrícia com um meio sorriso cordial. - Meus clientes querem se mudar antes do natal.

Era o calor daquele dia abafado de quase verão ou ela sentia realmente que o ar lhe faltava? E aquela sensação absurda, aquele nervosismo, aquela timidez, o que eram? Medo não podia ser, nem mesmo um leve receio. Ele era ousado, sim, era jovem e certamente tinha consciência do impacto que seu corpo firme de macho tinha sobre ela, mas não se atreveria a ir além de apenas provocá-la com sua presença seminua. Se ela se aproximasse, ele recuaria.

- É um trabalho muito bom o que a senhora e o Dr. Jairo estão fazendo aqui.

Um velho sobrado meio arruinado no centro da cidade, duzentos metros quadrados de quartos e cômodos apertados transformados num loft arejado e cheio de luz em apenas três meses. O jovem casal de jornalistas famosos ficara encantado com o projeto.

- O trabalho de vocês também está ótimo, estou muito satisfeita com a equipe.

Patrícia quase sorriu de satisfação quando o rapaz, o rosto profundamente vermelho, desviou sem graça o olhar. Se eu avançar, ele recua.

Quando ele apanhou do chão o martelo e a talhadeira, ela quase sugeriu que ele parasse um pouco o trabalho, que tomasse um copo de água gelada ou lavasse um pouco o rosto. Mas deixou que ele continuasse e fingiu trabalhar, fingiu que se concentrava nos projetos em cima da mesa, abriu cartelas de cores e examinou-as, tirou da pasta uma trena, mediu paredes, parecendo tão profissional. Mas mesmo em sua concentração fingida era impossível tirar os olhos daquele corpo, daquela presença A masculinidade dele era absurda, enchia toda a sala, de longe ela sentia o cheiro fresco do suor dele. Mais uma vez ela reparou nas mãos, na firmeza delas, nos dedos longos e fortes, nas veias azuladas altas como morros. Imaginou aquelas mãos deliciosas, fortes e rudes, segurando algo delicado, uma taça de vinho, talvez. Imaginou aquelas mãos entre suas pernas. E sentiu uma moleza nos joelhos, uma quentura no ventre imaginando com será que ele fazia amor, aquele rosto bem perto do seu, o cabelo cheio caindo na testa molhada, a boca meio aberta de prazer. Sentiu-se como uma personagem de Lawrence, com um sol dentro do útero.

E se ele tivesse uma ereção agora? Daria pra ver tudo sob o jeans apertado, daria pra ver o pau dele crescendo? Eu iria ter vontade de me ajoelhar na frente dele, ela pensou, de beijar o pau dele.

- Que é isso, dona Patrícia?!

- Cala a boca, menino! Me beija!

As mãos dela atrás da nuca dele, massageando aquele pescoço bonito, a firmeza das coxas dele de encontro as dela, o peso do corpo dele apertando o dela de encontro a parede e aquelas mãos, ah, as mãos! onde estariam elas?

- Olha aqui o que a senhora faz comigo, olha aqui como a senhora me deixa!

O sexo firme dele aninhado de encontro aos quadris dela, as mãos dele guiando as dela para baixo, de encontro ao pênis crescendo sob o jeans, a voz rouca de prazer, a boca perto do ouvido dela.

- Olha aqui, olha aqui como eu fico...

Acordando do devaneio, Patrícia viu que o rapaz vestira de volta a camiseta e apanhava as ferramentas, se preparando para ir embora. Como quem sofre um flagrante, ela juntou os projetos sobre a mesa, guardou-os na pasta, apanhou na bolsa a chave do carro.

- Bem, então até amanhã, ela sorriu.

- Até, ele sorriu de volta.

Estranhamente, o marido de Patrícia achou natural chegar em casa naquela noite e encontrá-la fresca e cheirosa como se tivesse acabado de tomar um banho de cachoeira. Nem estranhou quando ela o procurou com avidez, quando tocou o sexo dele com vontade e o engoliu com apetite. Naquela noite ela queria tudo, queria ser fêmea, queria prazer e orgasmo e não o sexo insípido que o marido lhe oferecia nas noites tediosas de sábado. Não, ele não estranhou nada daquilo, Patrícia às vezes era assim mesmo, um pouco surpreendente. Somente o misterioso sorriso que ela tinha nos lábios quando se deitou para dormir lhe pareceu um pouco fora de propósito. Ela adormeceu com aquele sorriso no rosto, um sorriso não inteiramente de desejo saciado, mas muito mais de pura malícia.

- O nome dele, ela pensou antes de cair num sono satisfeito. - Amanhã preciso perguntar ao Jairo como é mesmo o nome dele.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br