Recentemente comecei um curso noturno numa faculdade de aqui de Belo Horizonte.
O caminho que tomo para minhas aulas diárias faz com que eu passe por
uma rua
da cidade aonde antes eu quase nunca ia. Agora passo todos os dias em frente
a casa onde moravam meus avós, e onde eu mesma morei, quando criança,
depois que eles se foram.
Curiosamente, pouca coisa mudou na fachada. O jardim enorme, bem cuidado continua
muito parecido com o que minha avó plantou, lá atrás, em
1960 e poucos. Olhar para aquela casa é como voltar no tempo. Uma noite
dessas tive uma surpresa, alguém deixou aberta a porta da frente e, com
as luzes lá de dentro acessas, eu pude ver por dentro o hall de entrada,
boa parte da sala de jantar, um pedaço da cozinha...Foi como ganhar um
presente: por pouco segundos estive de volta ao passado. Por alguns breves instantes,
quase pude ver meu avô na cozinha, alto, bonito e perfumado como ele sempre
gostava de estar, maço de Hilton na mão...Minha avó podando
suas roseiras. Sempre que me lembro dela penso em suas lindas rosas, que ela
cultivava com tanto carinho. Senti uma saudade imensa e essa sensação
me acompanhou por vários dias. Me lembrei dos almoços de sábado,
todos os tios e primos reunidos, da deliciosa comida árabe que vovó
preparava. Da companhia dos meus irmãos e primos, todos mais novos que
eu e todos meninos, das árvores nas quais subíamos, dos muros
que pulávamos, do pedaço de rua onde andávamos de bicicleta.
O melhor de tudo foi, por esses breves instantes de dejá-vu, ter sido
capaz de ver a mim mesma, com oito anos, brincando naquele jardim. Senti uma
saudade enorme daquela menina tão bonitinha, tão esperta e impossível,
com aquele sorriso fácil e confiante de quem não sabe nada mas
acha que um dia vai aprender tudo, saber tudo, conquistar o mundo, ganhar a
vida. Sinto uma pena enorme por essa menina não existir mais. É
uma pena que ela tenha crescido. Mas às vezes, quando olho nos olhos
dos meus pais, vejo essa menina refletida lá. Quando percebo a maneira
como eles me olham, descubro que é assim que eles me veem, com
oito anos. E se ela está lá, refletida no olhar deles, deve estar
também em algum lugar aqui dentro.
Hoje levantei com uma saudade enorme dessa inocência. Queria ter de novo
oito anos e a confiança de que posso tudo, de que não há
limites, só liberdade e possibilidades. Queria não ter me levantado
com a sensação de ter cem anos e uma bagagem enorme pra carregar,
o peso do mundo sobre as costas. Queria não saber tanto, queria não
pensar tanto, queria não querer entender tudo. Mas vejam só, não
tenho mais oito anos. Cresci.