A Garganta da Serpente
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Jardim de Infância

(Ana Sampaio)

Recentemente comecei um curso noturno numa faculdade de aqui de Belo Horizonte. O caminho que tomo para minhas aulas diárias faz com que eu passe por uma rua

da cidade aonde antes eu quase nunca ia. Agora passo todos os dias em frente a casa onde moravam meus avós, e onde eu mesma morei, quando criança, depois que eles se foram.

Curiosamente, pouca coisa mudou na fachada. O jardim enorme, bem cuidado continua muito parecido com o que minha avó plantou, lá atrás, em 1960 e poucos. Olhar para aquela casa é como voltar no tempo. Uma noite dessas tive uma surpresa, alguém deixou aberta a porta da frente e, com as luzes lá de dentro acessas, eu pude ver por dentro o hall de entrada, boa parte da sala de jantar, um pedaço da cozinha...Foi como ganhar um presente: por pouco segundos estive de volta ao passado. Por alguns breves instantes, quase pude ver meu avô na cozinha, alto, bonito e perfumado como ele sempre gostava de estar, maço de Hilton na mão...Minha avó podando suas roseiras. Sempre que me lembro dela penso em suas lindas rosas, que ela cultivava com tanto carinho. Senti uma saudade imensa e essa sensação me acompanhou por vários dias. Me lembrei dos almoços de sábado, todos os tios e primos reunidos, da deliciosa comida árabe que vovó preparava. Da companhia dos meus irmãos e primos, todos mais novos que eu e todos meninos, das árvores nas quais subíamos, dos muros que pulávamos, do pedaço de rua onde andávamos de bicicleta.

O melhor de tudo foi, por esses breves instantes de dejá-vu, ter sido capaz de ver a mim mesma, com oito anos, brincando naquele jardim. Senti uma saudade enorme daquela menina tão bonitinha, tão esperta e impossível, com aquele sorriso fácil e confiante de quem não sabe nada mas acha que um dia vai aprender tudo, saber tudo, conquistar o mundo, ganhar a vida. Sinto uma pena enorme por essa menina não existir mais. É uma pena que ela tenha crescido. Mas às vezes, quando olho nos olhos dos meus pais, vejo essa menina refletida lá. Quando percebo a maneira como eles me olham, descubro que é assim que eles me veem, com oito anos. E se ela está lá, refletida no olhar deles, deve estar também em algum lugar aqui dentro.

Hoje levantei com uma saudade enorme dessa inocência. Queria ter de novo oito anos e a confiança de que posso tudo, de que não há limites, só liberdade e possibilidades. Queria não ter me levantado com a sensação de ter cem anos e uma bagagem enorme pra carregar, o peso do mundo sobre as costas. Queria não saber tanto, queria não pensar tanto, queria não querer entender tudo. Mas vejam só, não tenho mais oito anos. Cresci.

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