Parando a alguns metros do corredor, Paulo observou a escuridão que deslizava
pelas paredes. Originava-se na tenebrosa sala a que se dirigia o recém
contratado ajudante de escritório. Na realidade, aquela era a primeira
tarefa do jovem na empresa. Fora admitido na véspera e, desesperado que
estava por iniciar suas atividades, não contestou quando o patrão
com o qual conversara apenas por telefone lhe solicitou para o turno da noite.
Intimidado pela austeridade da voz provinda do outro lado da linha e pela longa
busca por emprego, mal teve de tempo de anotar o endereço indicado. Saiu
de casa apressado.
Não tinha a vaga ideia do caminho que percorria, nem de onde ficava
o lugar a que se dirigia. Sequer sabia algo sobre a empresa em que trabalharia,
ou quais seriam exatamente as suas responsabilidades. Apenas trazia consigo
a certeza da sorte de ter conseguido um emprego tão facilmente. Afinal,
ninguém que conhecia ficara sabendo de uma empresa que precisava de pessoal,
e Paulo precisou somente de um telefonema para conseguir a vaga. "Sorte
ninguém ter reparado no jornal daquele dia", pensava enquanto caminhava
pela noite, "e eu ter sido o único interessado no serviço".
A temperatura caía rapidamente.
Paulo aproveitou a luz do único poste intacto da lúgubre rua em
que estava para confirmar o endereço. Não queria acreditar no
papel que tinha nas mãos. Havia pouco mais que algumas ruelas de calçadas
quase destruídas, e uma longa cerca tomada pelo mato. A entrada, quase
totalmente escondida pela vegetação, ficava no meio da quadra.
Paulo empurrou o pequeno portão enferrujado, e entrou numa grande área
vazia. Por causa da escuridão, Paulo não pôde identificar
o que havia no que lhe pareceu ser um pátio abandonado. De repente, uma
luz vinda da esquerda chamou a atenção do jovem, e ele se dirigiu
até ela. O calçamento irregular do pátio fez com que Paulo
caísse três vezes, mas ele caminhou até identificar de onde
vinha a luz. Era a luz de uma lâmpada, tímida através das
frestas de uma janela, e só então Paulo percebeu que havia uma
construção ali. "Deve ser o escritório", pensou.
Contornando o prédio, Paulo entrou no local.
Era um grande salão vazio. Havia uma caixa no centro da sala, e Paulo
se dirigiu até ela. Dentro da caixa estavam documentos já empoeirados,
totalmente desordenados e quase sem espaço. "Leve-os ao Arquivo,
Morto" dizia um papel colado sobre a caixa. Só naquele momento o
jovem notou que nos fundos da sala havia um escuro corredor, e uma sala no final
deste. O jovem teve arrepios. Desde criança odiava a escuridão,
e aquele corredor tornou vivo o seu pavor infantil. Paulo não sabia se
tremia de medo ou por causa do frio, mas a lembrança de que precisava
do emprego fez com que pegasse a caixa e entrasse no corredor.
A porta da sala estava emperrada, e Paulo precisou de muita força para
abri-la. Tateou, mas não encontrou o interruptor de luz. Resolveu deixar
a caixa em qualquer lugar, e sair para procurar uma lanterna. Porém,
a porta se fechou num grande estrondo. Atirando a caixa para o lado, Paulo tentou
correr na direção da saída, mas parou quando sentiu uma
mão segura-lo pelo braço. "Me deixa sair daqui ! Me deixa
sair !" gritava, já desesperado. Caindo no chão, Paulo derrubou
alguns armários, e foi quase que soterrado por documentos antigos. O
cheiro de mofo e a poeira que havia no ar o sufocavam. Arrastando-se na escuridão,
Paulo sentiu mais uma vez a mão, agora lhe esmagando a perna. "Não...por
favor...". Um hálito quente soprou nas faces de Paulo. Um silêncio
esmagador atingiu o local.
Desesperada, a mãe ainda tentava entender o acontecido. Não vira
quando o filho saiu de casa, sequer sabia que ele conhecia aquela parte da cidade.
Logo pela manhã, recebera um telefonema da delegacia solicitando a presença
dela. A faxineira de uma pequena empresa de transportes quase morrera de susto
quando, ao abrir a sala do arquivo morto para limpá-la, encontrou o cadáver
de um jovem. Para a polícia, era difícil tentar descobrir as razões
que teriam levado aquele rapaz a invadir uma propriedade no meio da noite e
se trancar numa sala escura. Um mês depois, para confundir ainda mais
os policiais, o laudo da autopsia revelaria que o jovem sofrera um colapso cardíaco
decorrente de intensas emoções. Provavelmente, Paulo teria morrido
de medo. Tudo ficaria quase impossível de ser decifrado, principalmente
pelo que se julgou tratar-se de um bilhete suicida. O papel amassado encontrado
no bolso do rapaz, trazia dizeres enigmáticos para policiais e familiares:
"Os homens são como arquivos
Presos em limites carnais.
A morte é como esta sala
Os homens são como arquivos..."