O sol se punha no horizonte e o horário de visitação recém
terminara. O amplo espaço do aposento em que me encontrava e a distância
que nos separava fizeram com que hesitasse sobre a impressão de ter visto
uma silhueta correndo suavemente, quase deslizando, pelo piso de mármore
de carrara do vestíbulo.
A luz que a essa hora se desfazia em réstias era exígua e com
um brilho fosforescente, como uma ponte provisória entre dois mundos,
gerando uma dubiedade, uma disparidade em relação a imagem que
o olhar percebe e diz à mente e o que ela acredita ter visto. Com os
olhos semicerrados e o espírito aberto, supus tratar-se de uma criança
perdida, ou esquecida pelos pais - apesar de seu ar alegre e despreocupado -
afinal era muito pequena para estar sozinha, devia ter uns seis ou sete anos.
Em seguida, perdi-me eu, esquecido de tudo e de todos, mas principalmente
de mim mesmo, entre as maravilhas que se descortinavam aos meus estrangeiros
olhos: um pedaço importante da história do Brasil, ao vivo e a
cores. Tudo em torno se apequenou. Minhas inquietações arrefeceram.
O desassossego que havia tomado conta de mim até então, desapareceu
por um breve período de tempo.
Pude vê-la novamente, ao longe, na sala de música. Parecia reger,
convincente e enlevada, uma orquestra imaginária. Tamanho silêncio
pensei ouvir a melodia que a inspirava, e meu coração espantou-se
com essa sensação solidária que me acometia. Não
querendo assustá-la (mais do que eu próprio já estava),
aproximando-me devagar, resolvi pedir ajuda a um guarda. Quando me voltei para
apontá-la, ela sumira de vista de novo.
Na sala de visitas a reencontrei. Pulava compenetrada agora, uma amarelinha
fictícia. Segura e à vontade, movimentava-se com desenvoltura
por aquele ambiente, e, embora só, parecia divertir-se a valer. Buscando
sentido, perguntava-me: seria uma criança da região, acostumada
a visitas frequentes ao Museu Imperial de Petrópolis? Ou talvez
um filho de funcionário, familiarizado com suas dependências? Sua
aparição de novo foi efêmera.
Ao chegar aos jardins, já num fulgurante anoitecer, tão mimetizada
ao coqueiro ela estava que me sobressaltei quando se mexeu: só então
dei por sua presença. Desapareceu como surgiu assim que se viu descoberta.
Parecia brincar de esconde-esconde comigo.
Na casa de chá, comecei a suspeitar do que se tratava. Sentadinho,
comportado agora, como que aguardando o serviço, pela primeira vez me
encarou e sorriu. Só então, mais de perto, reparei. Não
usava jeans, camiseta e tênis como qualquer menino de hoje. Não,
era uma suntuosa indumentária de época. Um traje absolutamente
soberbo, cheio de medalhas e condecorações.
Desconfiado, perguntei: Qual o seu nome, garoto? Pedro de Alcântara
João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Miguel
Gabriel Rafael Gonzaga, respondeu. E acrescentou, adivinhando meus pensamentos,
que gostava de se materializar assim, nessa idade, porque fora quando ascendera
ao trono do Brasil pela abdicação do pai, em 7 de abril de 1831.
Para meu alívio era tarde e o lugar estava vazio. Pude não passar
por louco, falando com alguém que ninguém mais via: D. Pedro II
em pessoa. Confidenciou-me que, nascido no paço de São Cristóvão,
gostava de por aqui perambular, pois além de museu - um lugar onde estão
reunidos e expostos obras de arte, peças e objetos que não se
cansa de admirar - tinha sido sua adorável residência de verão,
seu Palácio de veraneio, por muitos e muitos anos.
Mais não conversamos, pois súbito alguém apareceu e,
puxando-me pela mão, gritou: Rembrandt, venha ver a fila de turistas
diante de suas telas lá no Louvre...