A Garganta da Serpente
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Tupi

(Adhemar Molon)

Jaime tinha um bom amigo. Era amigo de verdade a acompanhá-lo fielmente em todas as horas por onde quer que fosse. Um enorme cão de pelagem malhada nas cores marrom e branca. Quando ia nadar no riacho, Tupi, também nadava junto. Indo ao campinho jogar bola, também lá ficava como se fosse um fervoroso torcedor pelo seu dono. Quando se recolhia para dormir, Tupi se deitava no chão ao lado de sua cama e lá ficava até que o menino, seu dono, despertasse.

Como em sua casa se cozinhava em fogão de lenha, Jaime saía a catar gravetos que transportava em uma carrocinha que era puxada por Tupi, assim como se estivesse a brincar com seu cachorro. Tupi não se importava, o peso era pouco e ele até parecia gostar da brincadeira.

Tupi tinha tantas qualidades admirada por Jaime! Era forte, bonito, bom companheiro, muito fiel ao seu dono. Porém, tinha também um grande defeito que para Jaime nada importava. Ele gostava muito de ovos crus. Sempre que tinha uma folguinha, estando faminto, danava a procurar ninhos no mato por onde andavam as galinhas poedeiras, criadas soltas pelos vizinhos, comendo todas as ninhadas encontradas. A vizinhança não parava de reclamar. Eram reclamações quase todos os dias. Jaime pouco se lixava com tantas queixas. Se o cão estava faminto, que comesse! Por que não prendiam suas galinhas ?...

O cachorro era tão viciado em comer ovos que chegava mesmo a estourar telas de galinheiros mesmo das " penosas" criadas em cativeiros. Um desses criadores era o velho Saraiva que tinha um cuidado especial com suas galinhas. Tupi não dava folga às galinhas de Saraiva! Tudo que as benditas produzissem era consumido vorazmente pelo insaciável cachorro !

O velho Saraiva procurou o menino e advertiu:

- Caso esse maldito cão invada mais uma vez, uma só vez meu galinheiro, vou matá-lo!

- Ele não faz mais isso não, seu Saraiva. Pode deixar que falo com ele.

- E você, seu pirralho, acha que o desgraçado vai entender alguma coisa ? Melhor que o mantenha preso, como prendo minhas galinhas.

Saraiva era um português muito bravo ! Até um tanto neurótico !

Jaime chamou Tupi num cantinho para uma conversa muito particular:

- Olha, amigo, aquele português é um homem muito mau ! Muito mau mesmo ! Não quero que você vá mais ao galinheiro dele, viu ? Se voltar lá ele vai acabar com você ! Entendeu ? No mato ta cheio de ninho com ovos e o que ta no mato, ta no mato ! Não entre mais em galinheiro de ninguém, viu, seu cachorro burro?

Tupi, sentado à sua frente, respirando meio ofegante com a língua de fora como fazem normalmente os cães soltando suas babas, parecia prestar muita atenção àquelas advertências ! Encarando o menino, com suas grandes orelhas caídas, mantinha a cabeça pensa de um lado e vez por outra a pendia para o lado oposto. Encerrando aquele infantil monólogo, Jaime complementa:

- Bem, você está avisado ! Bem avisado ! Veja lá se não faz mais nenhuma besteira !

Alguns dias se passaram e Tupi foi encontrado morto ! Fora envenenado, não se sabendo por quem ! Provavelmente pelo português Saraiva. O menino caiu em choradeira ! Lágrimas sentidas jorraram de seus olhinhos castanhos !... Chorava e praguejava ! Logo começou a maldizer aquele maldito português ! Tinha certeza que fora ele o assassino de Tupi...

Com o tempo Jaime foi se conformando com a perda do amigo e como se estivesse diante dele começou a falar:

- Eu não lhe avisei, cachorro burro? Falei que o Saraiva ia matar você! Não acreditou, né ? Ta vendo no que deu ? Tomara que você vá para o céu ! Se Jesus perdoou o bom ladrão, vai perdoar você também ! Você sempre foi bom !Foi só um pobre ladrão de ovos!...

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