A Garganta da Serpente
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Família Feliz

(Alberto Metello Neves)

No interior de Minas Gerais, mais precisamente em Montes Altos, região de beleza incontestável onde a natureza destaca com exuberância suas montanhas e vales, quedas d´água e cachoeiras, planícies com pastagens verdes e suculentas, lá estava o Sítio Boa Esperança. Pequeno, aconchegante, com seus quinze alqueires de terra fonte de sobrevivência de uma família unida em torno do labor. O leite, o cultivo de algumas lavouras como: feijão, milho, arroz, uma pequena criação de porcos para o consumo da família, algumas cabeças de angola, para ovos e carne. O sustento, saia dali.

A rotina era distribuída para o Ciro, sua esposa Dora que assumia logo cedo todo o trabalho da casa e seus dois filhos Carlos e Manoel.

O dia iniciava-se às cinco horas da manhã, quando a Dora ia para a cozinha passar o café. A água fervia, e a massa para a broa de milho, uma de suas especialidades, estava sendo preparada. Colocava ainda, o feijão para cozinhar no majestoso fogão à lenha.

Carlos e Manoel iam até um pasto próximo, buscar as vacas para serem ordenhadas, pois elas dormiam embaixo de uma figueira e levadas para o estábulo rústico, onde se encontravam com os seus bezerros, que ficavam amarrados às suas pernas. Nos canzis as vacas recebiam a ração e a ordenha tinha início. Os baldes e os banquinhos já estavam preparados.As vacas eram mansas e estavam acostumadas com aquele ritual. Terminada a coleta do leite, os bezerros eram desamarrados, mamavam por algum tempo e depois eram apartados de suas mães e encaminhados para o piquete a eles reservado. As vacas voltavam para o pasto. Recebiam no cocho, ração, sal e minerais, além de uma quantidade abundante de água. O estábulo era lavado e desinfetado. O leite colocado em seus latões era transportado na velha carroça de rodas de pneus, para a estrada vicinal próxima dali onde era recebido pelo caminhão leiteiro da cooperativa e encaminhado para a usina.

Findo essa labuta toda, Ciro e os filhos iam para a cozinha, onde Dora já os aguardava com o "quebra jejum", pronto. A mesa posta e todas as delícias culinárias lá estavam. Era a oportunidade de uma conversa amigável em família, Era salutar. Discutia-se o que fazer no correr do dia. Havia muito respeito dos filhos para com os seus pais. O que se decidia nestas conversas, era cumprido. Tudo corria bem. Na cozinha, o velho rádio de pilha tocava programas sertanejos. Era a alegria da casa.

No domingo, a rotina era quebrada. Tiravam o leite e depois iam se preparar para a missa das dez horas na igreja da matriz, onde o vigário Padre João sempre os aguardava com ansiedade, pois esta família era uma grande colaboradora das obras sociais desenvolvidas pela igreja.

Tomavam os seus banhos e colocavam as suas melhores roupas para ir até a cidade. Seguiam na charrete pelas estradas poeirentas, cantarolando as músicas nostálgicas que lembravam muito a vida que eles levavam.

Além de encontrar com os seus compadres para tirar sempre um "dedo de prosa" e saber as novidades que corriam por aquelas bandas, iam agradecer a Deus pelas graças recebidas durante a semana. Eram católicos fervorosos e eles atribuíam a superação de suas dificuldades, às proteções que recebiam do Alto, através de suas orações. Após a missa, iam para a praça da matriz, conversar com os seus amigos. Não tinham compromissos. O tempo não importava. Estavam para se distrair. As esposas também formavam as suas rodinhas e assunto não faltava. No coreto da praça, uma bandinha modesta ensaiava as tradicionais músicas para o deleite de todos.

Os jovens davam voltas pela praça. As moças de um lado e os rapazes, andavam em sentido contrário. Era um vai e vem sem fim. O relógio da matriz batia o meio dia. Estava terminado o passeio dominical. Era a hora do retorno. Os seus estômagos já davam sinal de abandono. Buscavam a charrete e retornavam ao lar. Voltavam cantarolando e comentando as novidades que ouviram. Estavam felizes.

Ao chegar, Dora ia para o fogão preparar o almoço. O cardápio era convidativo: frango caipira ensopado com arroz, o feijão com caldo grosso preparado com toucinho, farinha de mandioca torrada e um lombo gordo e bem assado. Era de dar "água na boca". Antes do início deste lauto almoço, eles iam a um tonel de madeira, tirar uma dose de aguardente amarelinha com colar, para então começar a refeição. Não podia haver nada melhor.

Depois do almoço, só um repousante e merecido descanso. Acordaram às seis horas. O dia havia terminado. Acendiam os lampiões a querosene e iam conversar.

A noite chegou. Tudo era silêncio. Ouvia-se apenas, de quando em quando, um melancólico pio de uma coruja.

Tudo era felicidade. Tudo era paz.

(15/12/2004)

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