Era uma ensolarada tarde de Domingo. Estávamos sentados na beira mar
da praia de Boa Viagem, Recife. Eu e mais dois amigos. O belo mar à nossa
frente, uma gostosa brisa de fim de tarde batendo nos nossos rostos e centenas
de arranha-céus atrás, um mais moderno que o outro.
Havia muita gente ainda na praia, aproveitando o resto daquele relaxante domingo.
O último suspiro da fuga, que começou na sexta feira à
noite. Logo todos estariam de volta à medíocre rotina de vida.
Trabalho-casa-trabalho-casa-cama.
O mar estava cheio e suas ondas batiam furiosamente contra a areia, mas chegando
até nós já sem forças, molhando nossos pés
com suas inocentes espumas. Na mesinha onde estávamos havia duas garrafas
secas de cerveja e duas pequenas garrafas de cachaça. Uma que já
vem misturada com limão. Nós colocávamos uma dose da cachaça
e misturávamos com uma soda limão. Ficava uma delícia!
Acho que era por isso que já estávamos bêbados. As cervejas
eram só para disfarçar e consumir alguma coisa para que o dono
das cadeiras deixasse nós ficássemos ali.
O cenário era o mais miscigenado possível. Em relação
a tudo. Tinha lá tanto as mais gostosas da cidade do Recife quanto as
mais horríveis. A praia é realmente o lugar mais democrático.
Bem do nosso lado havia casais curtindo aquele momento gostoso, provavelmente
trocando eternas e profundas declarações de amor, diante da eternidade
e profundidade daquele belo mar. De minuto em minuto passava alguém oferecendo
algum tira-gosto. Amendoins, camarão, ostra, caranguejo, etc. Enfim,
tem de tudo.
Uma dessas vendedoras e lutadores ambulantes cativou-nos. Principalmente a mim.
Ela vendia uma caldeirada, que misturava tudo isso. Eu não gostava de
nada do que ela continha, mas mesmo assim, compramos dois pratinhos por cinco
reais. Ela dizia que de manhã, no horário de pico, fazia um pratinho
desses por quatro reais.
Havia nela algo de cativante. O brilho de seu olhar, o seu sorriso, sua inusitada
simpatia. Tudo isso naquele semblante que tinha de tudo para ser sofrido, triste.
Ela provavelmente já tinha mais de cinquenta anos e certamente tinha
uma origem bem humilde. Tudo isso não a abalava. Conversou conosco bastante
tempo.
Toda vez que ela sorria, exclamava, num tom bastante engraçado:
- Aí Jesus! - e terminava com um suspiro.
Contou-nos que tinha chegado na praia para vender a caldeirada de nove e meia
da manhã. Mas ela permanecia com aquela alegria, de bem com a vida. Era
admirável! Eu olhava-a com admiração que aproximava-se
de uma devoção. Como ela devia haver outras milhares!
Muitas vezes eu vivia resmungando, reclamando, blasfemando por muito menos.
Parecia que meu mundo iria desabar ou que havia uma conspiração
universal para me derrubar, sempre. Cheguei até mesmo a me perguntar
se valia a pena viver essa minha vida. Seria um suicídio a solução?
Mas então estava diante de mim, num domingo embriagado e relaxante, essa
humilde mulher. Uma simples vendedora, encarando sua difícil vida com
um sorriso no semblante. Era como se agradecesse ao seu Jesus por aquele momento,
por poder ficar de pé e continuar lutando contra toda a adversidade que
por ventura poderia aparecer. Se pudéssemos ver com clareza o fundo dos
seus olhos, o fundo de sua alma, não se perceberia nenhuma vontade de
desistir. Mas muito pelo contrário. Havia ali uma vontade surpreendente
de vencer.
Mas para mim, ela já é uma vencedora!
Fiquei envergonhado diante de uma pessoa daquela. Ou eu tinha uma natureza muito
fraca, ou é ela que tem uma forte demais!
E que caldeirada gostosa ela faz! Só experimentando para saber.