Naquela noite fria, eu estava sozinho no meu quarto escuro. Uma luz fraca iluminava-o
parcialmente. Encontrava-me, escrevendo alguma coisa, com uma garrafa de vinho
em cima da mesa, um cinzeiro com um cigarro aceso e a Solidão ao lado.
Ela era minha acompanhante. Cada vez que terminava algum poema ou conto, mostrava-lhe
e ela fazia suas críticas, apontando-me o que e onde mudar, de acordo
com suas emoções.
Inesperadamente, alguém entrou no quarto.
Inicialmente não reconheci quem era.
Era o amor.
Ao reconhecer o visitante, meus olhos se encheram com o brilho da esperança,
um brilho de felicidade, um brilho de admiração diante de um visitante
nobre, ilustre. Mas no olhar da Solidão via-se a chama do ciúme.
O amor passou uma vista rapidamente pelo quarto, encarou a Solidão, olhou-me
piedosamente e falou:
- Vem comigo. Tu, que há tanto me esperas, vem comigo, vem!
Aquelas palavras pegaram-me de surpresa. Eu não sabia como reagir!
Não sabia se corria para abraçá-lo, aproveitando sua tão
sonhada presença, ou se respondia um simples "eu vou", educadamente,
controlando minhas emoções.
Não fiz nada disso.
Eu chorei.
- Não posso - falei tristemente, mostrando-lhe a algema que me prendia
à Solidão.
O amor imediatamente compreendeu a situação.
A Solidão, por sua vez, sorria vendo toda aquela cena. Estava muito confiante
de si mesma.
Mas uma coisa eu não entendia. O amor continuava a olhar-me de um jeito
estranho, condescendente até.
E o visitante falou:
- Não te preocupes. Não desistirei de ti. Ocasionalmente, visitar-te-ei
a fim de que te acostumes com a minha presença. Dar-te-ei a força
necessária para que te possas livrar dessas algemas e do domínio
da Solidão. No porvir, terás a mim como companhia.
Olhei-o em agradecimento.
Ele entendeu, virou as costas e retirou-se
E eu fiquei novamente sozinho com a Solidão.
Tomei mais um trago do vinho, sentei e tornei a escrever.
Aguardando a próxima visita do Amor.