A Garganta da Serpente
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Os pescoços das serpentes

(Adelmario Sampaio)

Eu andava pelos campos com o Poeta, e de repente quase pisei numa cobra que estava no caminho. Levei um susto e pulei longe. O meu amigo continuou como sempre na maior serenidade, ainda que estivesse mais perto do réptil que eu.

- Essa cobra é muito venenosa - eu disse assustado.

Ele só balançou a cabeça que sim, mas não saiu de perto. A cobra que estava ao alcance da sua perna levantou um pouco a cabeça e fugiu por entre uns arbustos.

Enquanto saíamos do local eu perguntei:

- Você não tem medo de cobras?

Meu amigo não respondeu, e nem me olhou. Continuamos caminhando e quando eu já tinha esquecido que havia feito a pergunta ele disse:

"Existe uma possibilidade mínima de que eu encontre uma cobra pelo meu caminho..."

Eu olhei pra ele, mas pareceu que não acrescentaria nenhuma palavra a mais. Mas quando caminhamos mais um pouco, ele disse:

"Porque eu não ando pelo caminho das serpentes e elas não andam pelo meu caminho."

E se calou novamente, e não tive disposição para perguntar o que é que ele queria dizer com isso. Somente um tempo mais tarde, foi que ele disse:

"Se uma cobra cruzar o meu caminho, existe uma possibilidade mínima que ela me morda."

Confesso que desta vez não estava com paciência para fazer mais perguntas que não seriam respondidas. Pelo menos no momento que são feitas. E mais tarde ele disse:

"Porque as serpente fogem de mim. Elas ficam loucas para encontrar um jeito de escapar da minha presença."

Ele sabia que eu tentava juntar os retalhos dessa conversa, e um pouco adiante pingou mais uma gota:

"Mas suponhamos que uma serpente não encontre uma possibilidade de escape e venha a me picar, a possibilidade de que eu morra é mínima..."

Parou e olhou bem nos meus olhos. Eu esperei e ele ficou me fitando por um pouco de tempo que francamente achei embaraçoso e disse:

"Vou te contar um segredo. Se você guardá-lo, saberá que é verdade. Mas se não quiser guardar pode contar às pessoas. Pode até escrever para que outros leiam e um dia alguém vai conseguir decifrar esse segredo, e saberá que eu disse uma grande verdade. Mas os outros que não entenderem, pensarão que sou um louco, e rirão do meu jeito de dizer as verdades..."

Olhava tão fixamente em meus olhos que me senti embaraçado, e confesso mais uma vez que eu mesmo pensei que ele era um louco naquele instante. Só não penso ainda, porque ele é mesmo um homem impressionante, e fala coisas maravilhosas demais para ser palavra de um louco. Depois do instante de embaraço, ele colocou a mão no meu ombro e disse:

"Foi a mim que foi dado o poder de pegar serpentes e torcer-lhes os pescoços... Esse é o segredo..."

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