Eu andava de manhã por uns pastos perto de casa, num horário que
gosto de caminhar, e vi de longe três vultos que se aproximavam.
Quando ainda estavam à distância, não percebia o que eram,
mas depois, clarearam em minha visão um moço, que tinha um cavalo
pelo cabresto, e atrás dos dois, caminhava um sossegado carneiro.
Vi que o rapaz era de origem humilde, e me aproximei do caminho para falar com
ele quando passasse. Sei que aprendemos muito com essas pessoas que trabalham
no campo, especialmente os que cuidam de animais.
Mas fiquei intrigado com a estranha procissão. Um homem, um cavalo (que
logo soube que era uma égua), e um carneiro.
Eles chegaram.
O homenzinho, parecia orgulhoso, e eu penso que por causa do espécime tão
bonito que trazia atrás de si. Mas eu percebi que ele não poderia
ser o dono de um animal daqueles, que mesmo com meus parcos conhecimentos sobre,
entendi ser muito valioso.
Era de fato uma égua muito bonita, como eu jamais vira uma assim de tão
perto. Ela parecia ter consciência da sua beleza, e se exibia para mim,
fingindo querer tomar o cabresto do seu condutor. Era irrequieta, o que a fazia
ainda mais bela em seus movimentos.
O carneiro, andava atrás, sem qualquer expressão que não
fosse a sua pose de indiferente sossego, como só os carneiros tem.
- Bom dia, - eu disse para o homem.
- Dia, sô!... - respondia numa linguagem rápida, com um sotaque meio
que cortando as palavras.
- Dando umas voltas com os animais?
- É.
- Que cavalo bonito, não?
- Égua.
- Ah sim... não tinha percebido... O carneirinho anda manso, atrás...
- É.
O homem estava parado, segurando o cabresto, e a égua continuava fazendo
acrobacias, como se estivesse sendo picada por abelhas. Eu queria saber mais,
mas estava difícil até fazer perguntas, porque o homem não
falava mais que uma palavra de cada vez. Mas como o ele não se decidia
a andar, eu arrisquei mais umas perguntas. E para minha surpresa, as respostas
vinham cada vez mais interessantes:
- Um animal desses, deve ser muito caro!
- Diz que valeu setenta boi.
- Setenta bois?!...
- É.
- Mas é muito caro!...
- Mais vale.
- O senhor acha que uma égua vale o preço de setenta bois?
- Inté mais.
Eu não quis questionar, e fiquei calado. E foi ele quem continuou a conversa:
- Sô nunca viu falá da Faisana, não?
- Faisana?
- É o nome dela, - disse apontando o queixo para a égua. Depois
continuou: - Essa é a campeã das corrida. É memo feito um
rai, pra corrê.
- Então vale mesmo os setenta bois!...
- Inté mais...
Eu não queria mesmo discutir o preço da égua, e resolvi mudar
a conversa para o outro animal.
- Mas e o carneiro, que é que faz andando aí atrás?
- É só o casal da Faisana.
- Casal, como!... - eu perguntei admirado.
O homem riu da minha ignorância, e por certo porque entendeu que eu pensava
mal dos dois bichos. Depois explicou:
- Ma num é um casal, ansim casado memo não. Ele veve cum ela só
memo pra mansá ela.
- Espera aí!... O senhor está me dizendo que o carneiro é
o casal da égua, e que vive com ela para amansá-la?... Como assim?...
- Mansá, cumo tô falano. Ele é que mansa a bicha... O sô
num vê a danada ansim fogosa?... Era mais, ante dele...
- Mas o senhor vai ter que me explicar isso direito, moço. Porque até
hoje, eu ouvi dizer que amansa um cavalo, é montando nele, e ele pula até
cansar, e depois se entrega pelo cansaço, e fica manso... Não é
assim?
- Num sinhô!... Issaí co sô disque é mansá, nóis
disque é domá.
Eu pus a mão no queixo, arregalei os olhos, e fiquei esperando. Ele disse:
- Mansá, é ansim: Cê pega o animar brabo, e casa ele cum manso.
O brabo dá um coice nele, e ele oia ela ansim queces óios
besta de mansura. Aí ela quinem muié braba, e dá mais um
coice nele, e ele nem aí, proque ele é manso memo, e num sabe abrabá.
E ela vai ino, vai ino, inté que fica cum vregonha de escoiceá ele.
Eu resolvi ignorar o comentário da mulher brava, para não fugir
por enquanto do assunto, e falei:
- Ah entendi!... Ela amansa de vergonha!...
- Isso memo, sô. Pra sê manso, é só andá cos
manso.
Bom eu depois fiquei pensando na sabedoria dos homens de perceber mais essa. Aprendi
mais uma. Que um animal manso, amansa o outro bravo, só com o convívio.
E depois de combinar com ele de dar uma prozinha sobre as mulheres brabas que
nós dois conhecemos como ninguém, continuei o meu passeio, e a estranha
procissão prosseguiu.
Até pensei de depois enviar uma carta para o governo. Quem sabe está
aí a solução para o problema da violência no país.