- É, meu filho, sua velha mãe não tem como evitar. Você,
meu único filho que me ficou, vai casar. Logo você, meu caçula,
com aquela jararaca ...
- Mãe, por favor ...
- Deixa disso, mulher! Ele tem que fazer a vida dele. Um homem precisa escolher
sozinho o seu caminho. - intervém o marido, irritado.
- Até você defende ela? A mulherzinha me odeia, eu sei. Morre
de ciúmes de mim, coloca filho contra mãe. Mas eu já me
conformei com a traição de todos vocês, sei que o casamento
é inevitável, não tem mais jeito ...
- Não estou do lado de ninguém, apenas falo o que é certo.
Agora, larga de besteira e não enche o saco do seu filho. Tá chegando
o dia mesmo, te conforma, mulher!
As semanas se passam, até a esperada ocasião. De classe média,
o casal não havia planejado um casamento marcado pela ostentação.
Mas também não decepcionaria os convidados. Haveria uma recepção
após a cerimônia, no salão da própria igreja, que
se localizava no centro da cidade. Uma capela discreta, mas tradicional. Foi
escolhido um grande número de padrinhos, consequentemente aumentando
a quantidade de bons presentes. As pessoas que estariam no altar, perto dos
noivos, eram divididas igualmente entre íntimas do casal e outras não
tão chegadas assim, mas de excelentes condições financeiras.
- Mãe, estou tão nervosa . Será que vai dar tudo certo?
- Claro que sim, filhinha. Olha, já está chegando. Faltam quantos
dias mesmo? Ah, é, vinte e dois, eu conto cada dia. Você vai ver
que vai sair tudo bem.
- Tem uma coisa que eu não consigo parar de pensar, que me atormenta!
- Minha filha, já falei que está tudo certo. Tivemos hoje na igreja
e no bufê, semana que vem voltamos lá, está tudo confirmadinho,
arrumadinho, até a costureira ta adiantada.
- Não, mãe, eu tô falando da velha.
- Ah, filha, por favor! Não me venha com este assunto de novo! Você
vai casar, não é? É o que interessa. Além disso,
cá entre nós, ela já tem idade bastante avançada,
e ainda por cima sofre do coração. Não teve um problema
outro dia mesmo? Você vai ver só, não vai ter que aguentá-la
por muito tempo...
- Deus te ouça, mãe, Deus te ouça! Só de pensar
em ter ela tão perto na minha vida daqui em diante, fico desesperada.
A casa fora arrumada para a ocasião. O fotógrafo se esmerava no
serviço, fazendo gracejos sem a menor graça para tentar relaxar
a elegante noiva. Quando depois de muitas e muitas fotos ela resolveu apressá-lo,
os pais a tranquilizaram. Afinal de contas, noiva que é noiva chega
sempre em cima da hora, até mesmo atrasada. Naquele exato instante, a
pequena igreja encontrava-se cheia de flores e gente.
Alguns convidados estranhavam a ausência do noivo, que normalmente chega
antes e espera a futura mulher com ansiedade, como se ela pudesse deixar de
vir.
A sessão de fotos na casa da noiva termina, e o luxuoso automóvel
preto, alugado com motorista, se prepara para partir. De repente, o primo do
noivo, que era também um dos padrinhos, chega correndo à casa.
A noiva olha assustada para ele. Após um curto silêncio, alguém
pergunta:
- O que você está fazendo aqui?
- A tia ...
- O que tem a velha? O que ela aprontou desta vez? - pergunta a noiva, em
tom agressivo.
- Ela morreu!
Os carros partem para a casa do noivo, que era bem próxima. A nubente
chora copiosamente, consolada pelos pais. Chegando ao local, ela salta correndo,
com seu enorme vestido, chamando a atenção da vizinhança.
Dentro da casa, alguns poucos parentes cercam o corpo da mulher, estendido na
cama. O resto da família está na igreja e ignora o fato.
O filho aperta a mão dela contra o rosto, e chora como criança.
A noiva se aproxima silenciosamente por trás, arrastando seu véu,
e o abraça. Ele chora mais ainda. Logo todos ficam sabendo que foi um
ataque cardíaco rápido e fulminante, durante o banho. O vizinho,
que era médico, deu a notícia, e nada pôde fazer. De qualquer
forma, uma ambulância estava a caminho. Durante uns minutos, ninguém
diz nada.
Depois, a noiva começa a falar baixinho no ouvido do companheiro:
- Olha, eu sinto muito, de verdade. É uma tragédia. Mas ela está
descansando agora, vinha sofrendo muito com a doença ultimamente, não
é mesmo?
Ele apenas assente de leve com a cabeça, algumas lágrimas ainda
escorriam pelo seu rosto.
- Sei que é muito difícil para você, mas a gente tem que
pensar em uma coisa. Por favor, escute o que vou dizer. São sete horas,
a igreja deve estar lotada, as pessoas impacientes. Pessoas que se importam
conosco, também, e que amavam ela. Nós temos que ir agora. Quando
acabar a cerimônia, a gente volta ...
Ele a olha nos olhos, e não consegue falar nada. O pai dela, que havia
escutado quase tudo, repreende-a discretamente com um sinal.
- Por favor, me ouça, nós temos que ir.
Desta vez, ela fala mais alto, angustiada, e quase todos os parentes da falecida
escutam. O ambiente fica tenso no apertado recinto. Ela insiste mais uma vez,
até que se descontrola:
- Ou você vem comigo agora ou nunca mais olho pra você!
O noivo, finalmente, se manifesta:
- Sai da minha casa.
- O quê?
- Saia da minha casa, agora! Vai, porra!
- Seu idiota, sabe o que está dizendo?
A velha morta era a única pessoa a não tentar apaziguar o ânimo
entre os noivos. De nada adiantou, porém, a intervenção
dos parentes, pois a menina perde a linha de vez, gritando pra falecida:
- Safada, miserável, mesmo morta acaba com a minha vida!
- Calma, pelo amor de Deus, filha, olha o vexame!
- Me solta, esta velha desgraçada! Ela fez isso pra acabar com meu casamento!
E a noiva, toda de branco, sai correndo e gritando pelas ruas mal iluminadas
do bairro.