Tomava o sétimo drinque na boate e acendia mais um cigarro. Os amigos
já haviam ido embora, alegando que a noite não renderia mais nada.
Tinha muito homem e estava tarde, amanhã dava praia. Ele não,
não desistiria assim, voltar para casa derrotado ? Especialmente naquela
noite, quando lutara para deixar a namorada em casa um pouco mais cedo, e estava
com disposição para beber e beber e procurar qualquer coisa. E
ainda tinha um esquema com um garçom, consumia o necessário e
depois passava a pedir direto no balcão, pela metade do preço
bebia sua vodka, limão, açúcar e gelo. A bebida era nacional,
de uma marca barata não muito boa, e cada gole aumentava-lhe a náusea
que vinha sentindo há algum tempo. Mas gostava de ficar bêbado,
e fumava, fumava, o cigarro quase acabando. Mais de um maço somente na
noite, filtro amarelo, acendendo um no outro àquela altura. Meu Deus,
o cigarro não podia acabar, não era vendido ali, o que faria sem
cigarro ?
Avistou uma mulher, estava visivelmente embriagada. Mais que isso, após
a fase em que se ri à toa: estava lerda, olhos de peixe morto, voz embargada.
Ele estava um pouco melhor, pelo menos aquela ali não poderia dizer que
ele estava bêbado, como já tinha ouvido por umas duas ou três
vezes algum tempo antes. Ofereceu um gole a ela, que depois de muito dançar
cambaleante, estava recostada à parede, olhando fixamente o nada com
seus olhos de peixe. Ela aceitou e lhe estendeu também seu copo, que
estava pela metade, com um líquido quente de cheiro forte. A boca dele
queimou mais um pouco, o enjoo aumentou, não conseguiu identificar
a bebida.
- O que é isso ?
- Martini. Martini com uísque.
- Martini com uísque ? Você misturou ?
- É, que é que tem ?
- Nada, ficou legal. Você tá sozinha ?
- Eu e mais cinquenta pessoas aqui. Com você, cinquenta e um.
Ele ficou meio sem-graça, mas não ia desistir, não vira
nenhuma outra mulher sozinha que o interessasse. E olha que ele nem estava tão
exigente, seu padrão de beleza despencara em poucas horas. O fato é
que já estavam iniciando uma conversa, e ela possuía um rosto
bonito. O corpo não dava pra perceber, pois vestia uma roupa larga de
motivos indianos, compondo com os vários anéis de pedra e prata
nos dedos. Ele percebeu logo que ela era do tipo esotérico, não
seria difícil. Mais ainda que a maioria das mulheres, adoraria falar
de horóscopo. Logo entabulou uma conversa sobre os astros, havia decorado
alguns conceitos. Não acertou seu signo, mas chutou bem o ascendente.
Ela falou sobre o cristal que trazia pendurado no pescoço, ele fingiu
interesse, conseguindo com isto um beijo. Depois, bebeu mais um pouco, fumou,
não aguentava mais o gosto do cigarro.
Finalmente, chegou o momento que julgou propício, depois de vários
beijos e abraços e dela reclamar do calor, dizendo que precisava pegar
um ar. Combinaram de dar uma volta, ela pediu a conta, e entre indiferente e
melancólica contou que viera com amigos. Havia um certo cara no grupo,
mas uma amiga sua é que acabou ficando com ele. Traição,
ela disse, mas tudo bem, ninguém é de ninguém mesmo na
noite. Só que, para piorar, deixaram dinheiro de menos, ela iria pagar
mais do que devia, uma conta absurda para quem tomou só uns drinquezinhos.
Ele educadamente pediu licença pra ir ao banheiro. Não podia arriscar
de estar na mesa quando chegasse a conta. E se ela quisesse rachar ? Acertou
a sua com o garçom contraventor, urinou, molhou o rosto, fez uma careta
no espelho - sempre fazia isso quando estava bêbado.
- Vamos ?
Ela se levantou e caminhou irregularmente, afoita e cambaleante. Entregaram
os cartões quitados na porta, e a menina abraçou com convicção
o primeiro carro que viu. Ele disse que o seu automóvel estava logo mais
à frente, na esquina, e nesse instante pensou se valeria à pena:
ela estava muito mal. Ela pareceu ler seus pensamentos, disse que só
estava um pouco tonta, morava sozinha ali perto. Eles poderiam fazer um lanche
lá, tinha até umas garrafas de cerveja no congelador. Ele pensou
nas tais garrafas, que já deviam ter estourado há muito tempo,
pesou a situação, e viu que indo para a casa dela não tinha
nada a perder, mesmo. Ao contrário, vamos ver onde isso vai dar, tinha
a vantagem de que nem precisaria gastar muito papo e dinheiro. Já estariam
num local à vontade, era bem mais fácil que ir a um bar e ficar
enrolando até chamar para um motel, e ele já tinha perdido o saco
há muito tempo.
Então entraram no carro, a menina desfaleceu assim que se sentou, ainda
bem que lhe disse onde morava antes. Ele segurava o volante com uma mão,
com a outra segurava ela nas curvas. Chegaram, ele a acordou, perguntou o número,
ela murmurou, voltou a desmaiar. Ele andou mais um pouco, sacudiu-a de leve,
mais forte depois, e saltaram. No apartamento, ela pediu que ele esperasse um
instante, que iria rapidamente ao banheiro. Ele acende um cigarro, depois outro,
o vigésimo oitavo da noite. O local era pequeno e simples, mas tinha
lá o seu charme de mulher que mora sozinha: algumas reproduções
de quadros, cartazes de cinema e eventos culturais, poucos móveis e alguns
bichinhos de pelúcia. Ligou a televisão, perguntou pelas cervejas,
ela não ouviu. Ele foi à cozinha, abriu a geladeira, viu que não
haviam estourado porque não estavam no congelador. E não eram
duas, era uma só. Começou a beber de imediato, acendeu outro cigarro,
já não estava tão ansioso para fazer sexo com ela. O cansaço
aos poucos vencia o desejo e o senso de oportunidade.
Pouco depois, a televisão sai do ar, aquele chuvisco desgraçado
em todos os canais. Ele então se lembra da menina - que demora, porra
!, vira o copo de uma só vez. A porta do banheiro estava apenas encostada,
ele a abriu lentamente. Ela estava ajoelhada no chão, abraçada
ao vaso sanitário, cercada de vômito por todos os lados. Ele sentiu
nojo, muito nojo, mas também sentiu pena dela, maldita pena que o deixava
fragilizado e o impedia de ir embora naquele instante. Levantou-a, colocou-a
no chuveiro com roupa e tudo, depois a despiu (até que tinha um corpo
interessante), a água fria conseguiu recompô-la parcialmente. Ele
dá a descarga e passa um pano no chão, depois encharca de desinfetante,
joga água da torneira. Não lavava banheiro nem na própria
casa, não sabia direito o que fazer - estava bêbado e tinha nojo,
acima de tudo.
Ela sai do banho enrolada numa toalha, ele estava na sala, ela pede que desculpe
o ocorrido. Disse que ia ao quarto se trocar e voltava inteirinha. Começou
a se lamentar lá de dentro, que não costumava beber assim, foram
aqueles dois, o tal rapaz e a amiga. E que os cretinos deixaram a conta enorme
e também levaram com eles algo que os três haviam comprado e ele
não entendeu bem o que era. A menina o chamou, e assim que ele entrou
no quarto ela deixou cair a toalha. Realmente, era um corpo bonito, muito bonito
mesmo, e ele pensou naquele momento que tinha valido à pena. Mas então
ele olhou pro seu rosto, e isto lhe causou enorme tristeza, não sabia
por quê, como se ele apagasse todo o brilho do corpo da menina, e então
ele desviou o olhar. Aí ela pôs um short, uma camiseta, abriu uma
gaveta na cômoda, ele já estava sem camisa e sapatos. Ela revirou
a gaveta, afoita, e retirou um saquinho plástico com um pó branco,
e perguntou se ele queria também.
Agora ele entendia o que a menina disse que os amigos levaram, talvez a maior
traição da história que lhe contara, e porque ela fungava
de vez em quando na boate. Ele recusou com a maior diplomacia do mundo, não
queria deixar transparecer que não gostava daquilo nem um pouco. Ela
então derramou uma parte do conteúdo do saquinho no tampo de vidro
da mesa, fez três longas fileiras com um cartão de crédito,
tirou uma nota novinha da carteira e improvisou um canudo. Ele acendeu vários
cigarros, o maço finalmente acabou. Virou o resto da cerveja, e enquanto
conversavam ela ia consumindo a droga. Ele foi ao banheiro, tomou uma água.
Estava tenso. Torcia para que ela acabasse logo, para que eles também,
e depois ele pudesse ir embora dali. Ela fungava o tempo todo, e isto o irritava
bastante. Finalmente, ela terminou a última carreira de uma só
vez, e tiraram toda a roupa.
Não houve muitas preliminares: ele não se sentia bem. Notou
que ela parecia um zumbi com hiperatividade - o corpo era ágil, mas o
rosto, os olhos, pareciam tristes, cansados, apesar de arregalados. Ele a penetrou
de maneira tradicional, por cima, e ela gemia baixinho, e se mexia dentro do
possível, apertando-o com força e arranhando-o nas costas. Ele
não demorou muito tempo, não conseguiu se segurar, que merda.
Ejaculou de forma estranha, pensava no trabalho, no dia anterior e no seguinte,
no gosto amargo do cigarro na boca, se teria coragem de tomar um banho naquele
banheiro com cheiro de azedo. Pelo menos parecia que ela não havia ficado
para trás, havia chegado lá rapidamente também. Mas ele
se enganou, se enganou porque não percebera o coração,
o coraçãozinho dela. Antes mesmo de começarem a fazer sexo,
ele havia se acelerado loucamente. E depois mais, cada vez mais, até
parar de bater num espasmo, que ele confundiu com um gozo.