A luz na sala é mortiça.
Ela está em frente a ele. Está bonita, com o vestido preto de
alças muito finas e os cabelos presos num coque. Os olhos secos, pintados
de negro, a boca pálida, o rosto ainda mais. As mãos imóveis
pousadas sobre os joelhos unidos. Não há traço de emoção
em seu rosto. Vista de longe, parece uma boneca de cera, esculpida com capricho
por mãos apaixonadas.
Ele está em frente a ela. Absolutamente nu, sentado sobre os joelhos
no tapete macio. O corpo másculo, moreno, agora parece frágil
até. O pau pousado sobre as coxas parece um pedaço de carne crua
e morta. Mas os olhos estão molhados e o rosto se mostra repleto de dor.
A boca contraída para engolir os mil gritos que moram dentro dele. As
mãos trêmulas tentam se controlar, os punhos fechados ao longo
do corpo. Tudo ao redor está sem movimento. Uma luz triste de neon entra
pela janela aberta. O ar é quente, abafado, denso.
Então, após longos minutos de apatia, ela se levanta, forçando-o
a olhar para cima. Ele continua sentado. Com o rosto ainda imóvel abaixa-se
junto a ele, os dois rostos muito juntos. Ele chora. Ela não.
Bruscamente puxa-o para si, sem gentileza e beija-o enlouquecidamente, alternando
a língua e os dentes com desespero. Filetes de sangue vivo escorrem do
canto dos lábios deles. Ele livra-a do vestido com fúria. O pedaço
de carne já não parece morto. Está rijo, apontando para
a mulher, com urgência. Os punhos continuam cerrados, mas agora em volta
da cintura dela.
Eles se encaixam com precisão. O desespero toma conta dos corpos, que
se debatem sem gentileza. Sangue, baba e suor. Então, ainda sem gentileza,
eles gozam, entre gritos. Ela primeiro. Ele depois. Ficam assim, entregues,
sem forças, por alguns momentos.
Ela ouve a buzina. Um toque curto. Outro mais longo. Levanta-se calmamente.
Sente o esperma escorrer pelas pernas, mas não se incomoda. Coloca o
vestido, mas não ajeita o cabelo desalinhado. Pega a grande bolsa e uma
mala que está ali, perto do sofá, à direita.
Caminha devagar até a porta. Abre. Olha por um instante para o pobre
homem transtornado, tão frágil, no chão. Sente sua alma
sorrir. Fecha a porta atrás de si e de sua velha vida. Seu novo amor
está à sua espera lá embaixo e ela não quer se demorar.
(março 2003)