Depois daquele beijo combinaram de se encontrar mais tarde. Eram dez horas da
manhã de um caloroso sábado, e os noivos estavam mais que felizes.
Amanda é uma jovem de 26 anos. Anda sempre sorrindo, é comunicativa
e muito simpática.
Faz dois meses que terminou o curso de administração de empresa
na universidade. Agora aguarda ser efetivada na empresa em que atualmente faz
um teste.
O seu noivo Acácio, é um ótimo artista plástico.
Homem negro de seus 33 anos, Acácio começou a se dar bem na vida.
Além de dar aulas particulares em seu ateliê, é instrutor
de arte na secretaria de cultura da cidade do Rio de Janeiro. A sua renda chega
a atingir dois mil e duzentos reais por mês, isso quando não vende
nem um quadro; coisa rara. É claro que nem sempre foi assim. Isso lhe
custou muito esforço. Antes pintava quadros e fazia esculturas, ao mesmo
tempo em que era segurança de uma agência bancária. Sempre
admirou os trabalhos de Van Gogh, Salvador Dali e Picasso. É um fã
incondicional de Waldomiro de Deus, o homem que pintou a imagem de Nossa Senhora
Aparecida de minissaia.
Após ganhar vários concursos de artes plásticas e virar
destaque na cidade maravilhosa, Acácio foi contratado pela prefeitura
e começou a ser procurado pelos artistas famosos que queriam adquirir
as suas obras.
Saiu do anonimato.
Seus quadros surrealistas não mais são vistos nas paredes encardidas
dos pequenos escritórios da cidade. Agora as obras de Acácio habitam
os hospitais e as faculdades particulares do Brasil e as casas dos gringos no
exterior.
Com todo esse sucesso, ele aproveitou para adiantar as coisas que já
estavam atrasados em sua vida havia tempos. Comprou um carro, um terreno e começou
a construir a casa onde irá morar com a futura esposa.
Neste sábado ele foi na casa da Amanda de manhã e os dois marcaram
de sair á noite.
O dia passou sem maiores detalhes.
Depois de haver negociado uma exposição de artes plásticas
num grande shopping center, Acácio voltava pra Jacarepaguá. Quando
vinha á 70 Km/h e vendo uma blitz policial reduziu para 50. A 20 metros
da blitz, um policial apontou o foco de uma lanterna que tinha em mãos
no rosto dele. O mesmo ficou sem visão e perdeu a direção
do veículo que foi colidir numa viatura. Acácio bateu a cabeça
no volante e desfaleceu.
Vendo que estavam errados, os policiais procuraram achar algo que incriminasse
o motorista. Enquanto alguns policiais prestavam socorro, outros revistavam
o carro. Um deles disse:
- O cara é negro vê se o carro está no nome dele, talvez
é até roubado.
Antes da viatura sair com Acácio em direção ao hospital,
um policial remexeu a sua carteira procurando o documento pessoal e do carro.
Ele já havia achado os documentos, mas não perdeu a oportunidade
de pegar os quatrocentos reais que Acácio tinha na carteira e colocar
no bolso.
Meia hora depois chegaram com a vítima no hospital. O médico de
plantão foi obrigado a dar eletrochoque no peito dele para trazê-lo
de volta a vida.
O artista plástico conseguiu sobreviver. Hoje vive sem pintar, sem trabalhar,
sem falar e sem se mover. Ele sobrevive numa cadeira de roda, ouvindo e sempre
tentando falar alguma coisa, que seus familiares nunca entendem.
Hoje Amanda parece que economiza o sorriso e a comunicação. Não
se vê mais simpatia no rosto desta mulher. Ela continua com o noivo; cuida
dele como se fosse a única pessoa que ainda tem no mundo.
Os pais do antigo artista plástico pagaram o concerto da viatura e respondem
processo no fórum.
Os policiais torcem até hoje para Acácio não voltar a falar.