Sempre no fim do ano eu e minha prima Clarisse íamos ao shopping Center
passear, fazer compras e nos divertirmos um pouco. Esse ano foi diferente, ela
não está aqui, nem estará mais...
Tudo começou quando ano passado fomos ao shopping, entusiasmadas para
as compras, não havíamos prestado atenção nas inúmeras
propagandas de que no fim do ano haveria uma feira mística no pátio
central do shopping. Eu particularmente não acreditava nessas coisas
de previsão do futuro ou leitura de mão, entre outras baboseiras
místicas.
As pessoas não deveriam ser tão céticas das coisas incompreensíveis,
que não existe explicação. Eu finalmente entendi a máxima
de que existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe
nossa vã filosofia... Clarisse adorava esse tipo de coisa, tinha dezoito
anos, era alta, magrinha, usava uns óculos que escondia a luz de seus
olhos azuis.
Estávamos sempre juntas, em tudo, pra tudo, ela era do tipo irmãzona,
que mais ouve do que fala. Um anjo de menina! Nessa tarde em que saímos
os planos eram só diversão, mas quando Clarisse resolveu que queria
enfrentar a fila da bendita cigana a discussão começou...
-Ana, por que você tem que ser tão cética? Um pouco de ilusão
não faz mal... Por favor, Aninha!
E insistiu muito até me convencer (como sempre conseguia) quando chegou
a vez pediu pra entrar com ela, relutei, mas de nada adiantou... A cigana olhou
pra gente e disse logo:
- Vejo que vocês têm uma relação muito forte, são
primas, mas parecem irmãs!
Não me convenceu, ela só tava jogando verde, Clarisse, no entanto
achou aquilo o máximo e foi logo perguntando sobre o seu futuro, se iria
encontrar um grande amor, se seria uma excelente profissional. Mas a cigana
ficou estranha e sisuda quando olhou pra Clarisse e apenas disse:
- Não vejo nada no seu futuro, tudo está muito escuro e impreciso.
Sinto muito querida! Não posso responder suas perguntas...
Clarisse ficou muito desapontada e saiu da sala da cigana sem dizer nada, eu
ia segui-la quando a cigana me puxou e disse:
- Ana, eu não tenho o direito de mudar o destino, mas cuide de sua prima,
o que eu vi não é bom sinal...
- O que você viu afinal cigana? E como você sabe o meu nome?
- Como você é incrédula menina! Eu vejo muito além
do que as pessoas normais podem ver e quanto ao futuro da sua prima eu não
posso responder, mas ouça meu conselho, não compareçam
a festa a qual serão convidadas, é só o que eu posso dizer,
Agora saia!
Dizendo isso me empurrou pra fora da sala, intrigada, mas com pressa de ir embora
não liguei para o que ela havia dito e fui encontrar Clarisse e acabei
por esquecer o assunto estranho. A semana passou rápida demais e cheia
de coisas para fazer, o episódio do shopping parecia ter sido no século
passado e ficou perdido no meu esquecimento.
Eu e Clarisse estávamos em casa uma tarde quando um rapaz, colega nosso
da faculdade bateu à porta, vindo entregar um convite pra nós
duas. Clarisse leu o convite:
- Ana e Clarisse vocês estão convidadas para a super festa da Alice
no domingo às três. Festa na piscina. Aniversário. Não
faltem!
-Clari, não acredito que a esnobe da Alice tá convidando a gente
pra festa de aniversário dela! O que será que deu nela?
- Sei lá Aninha! Mas tu queres ir?
- Não sei, e tu?
- Por que não? Pode ser legal e além do mais o gatinho do Alê
vai tá lá...
- Hum... Entendi... Tá bom! Vamos nessa!
No domingo à tarde estávamos na casa da Alice, ela nos recebeu
muito educadamente e nos deixou a vontade, Clarisse saiu à procura do
tal Alexandre e eu fiquei na beira da piscina tomando um suco. Até tudo
acontecer eu nem sequer podia imaginar que o tal Alê era o ex da Alice
e o motivo da separação do casal era a Clarisse, se eu soubesse
disso antes da festa não teria ido, por que a gente nunca ouve a nossa
intuição?
Preocupada com a demora da Clarisse saí atrás dela por toda a
casa, mas não a encontrei, voltei pra perto da piscina e não a
vi. Dei outra volta e nada da Clari... Perguntei ao garoto que havia entregado
o convite e ele disse ter visto ela e o Alexandre atrás do jardim, pouco
antes da Aline ir atrás deles.
Corri depressa até a parte de trás do jardim e cheguei a tempo
de ver o que eu nunca poderia sonhar em ter visto, Aline com uma arma em punho
gritava para o indefeso casal, Alexandre protegia Clarisse, ela dizia:
- Eu nunca vou te perdoar Alê! Como você pode me trocar por essa
garotinha? Por quê?
- Calma Alice!
Então ela apontou e atirou friamente...
- Nãããããããão!
Eu gritei, mal conseguia respirar quando corri até eles antes que acontecesse,
mas Alice foi mais rápida, três tiros certeiros e depois ela se
matou... E matou minha prima também...
Depois eu nem lembro como tudo terminou, só uma imagem ficou gravada
na minha mente, Clarisse e o Alexandre abraçados e ensanguentados dizendo
um ao outro que se amavam... Eu nem sabia dele, Clarisse tinha guardado a sete
chaves esse romance, que havia começado há tempos, muito antes
de ele conhecer Alice. Eu descobri toda a história lendo os diários
dela que só eu sabia onde estavam e tinha a permissão dela pra
ler, caso acontecesse algo, como ela mesma dizia.
Ainda dói tanto lembrar ela, hoje faz um ano que eu fui com ela naquele
shopping e nos encontramos com aquela cigana, me sinto muito culpada porque
não acreditei no que ela havia me dito... Se eu pudesse voltar no tempo
eu faria tudo diferente, tudo mesmo e a Clari estaria aqui...
É quase nove horas e o Sol brilha tanto num céu azul, tanto quanto
a cor dos olhos dela, vim visitá-la como faço sempre, trago rosas
brancas, as preferidas dela e girassois, as preferidas do Alexandre. Eles foram
enterrados juntos, como era desejo dela, viver eternamente com ele.
Será que eles estão juntos? Será que estão felizes?
Será que a Clari está sorrindo daquele jeito largo dela? Eu comecei
a ver o mundo de outra forma, a Clari me ensinou muito e apesar de fazer muita
falta, acho que ela deve estar bem...
- É claro que ela está menina!
A cigana aparecia atrás de mim e me dizia com lágrimas nos olhos:
- Era o destino dela, fica tranquila porque você não teve culpa
de nada. A Clarisse tá muito feliz e me disse que é pra você
também ser.
- Eu tô tentando, mas tá difícil...
- É preciso tentar, sempre! Você ainda é tão nova
menina, não desista de ser feliz ainda, você tem um futuro brilhante
pela frente!
- É mesmo cigana? Eu prometo que eu vou tentar ser feliz, que eu vou
seguir adiante.
- Isso mesmo! Assim é que se fala Aninha!
- Que tal a gente ir lá em casa agora tomar um café com biscoito?
Acho que a mamãe vai adorar te conhecer...
- Por que não?
Saí do cemitério com uma nova alma e uma amiga, a Clari sempre
estará no meu coração e a lição que ela me
deixou é a de ver sempre além dos olhos...
(01/05/2010)