A Garganta da Serpente
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Pessoa sem cheiro

(Hélio Consolaro)

Você, caro leitor, é um sujeito com cheiro? Alguém já lhe disse que gosta de seu cheiro? Os apaixonados adoram cheirar a roupa da pessoa amada, como forma de matar a saudade. O faro é muito desenvolvido nos caninos, mas nós, machos humanos, nem mais descobrimos, pelo cheiro, quando a mulher está no cio.

Se sinto cheiro de café, por exemplo, lembro-me de minha mãe, porque ela sabe fazê-lo muito bem, é o mais gostoso do mundo. O olfato está muito ligado à memória afetiva. Às vezes, nem nos atinamos com isso, porque em nossa sociedade, essencialmente racional, usamos muito a visão, e o olfato fica como um sentido de terceiro plano. Uma pergunta indiscreta, caro leitor: você ensina a seus filhos usar bem os cinco sentidos?

"Perfume", produzido por Bernd Eichinger e dirigido por Tom Tykwer, baseado no livro de mesmo nome do escritor alemão Patrick Süskind, explora a ligação entre olfato e sentimento. Ambos contam a história de Jean-Baptiste Grenouille, frio e simultaneamente ingênuo, surpreende o tempo todo, pois o mundo dos odores transita entre o belo e o feio, entre o cheiro bom e o fedor, entre o prazer e o nojo. Pena que, pelo livro e pelo filme, não é possível sentir o cheiro das cenas. A fruição seria mais completa.

Em "Perfume", o filme é um complemento da leitura do livro, com ela o espectador saboreia mais o filme.

Então, caro leitor, uma pessoa sem cheiro nunca foi amada e não consegue amar, como aconteceu com o protagonista. Com essa obsessão de não ter cheiro, de ser rejeitado pela sociedade por causa da pobreza, Jean-Baptiste Grenouille busca um perfume para si, por isso mata muitas moças virgens da cidade de Grasse, até conseguir o seu objetivo.

As cenas finais revelam uma multidão, moralista, que exige a condenação de Jean-Baptiste Grenouille, histeria idêntica à dos brasileiros que querem a pena de morte. Bastou que a turba sentisse o cheiro do seu perfume, para chamá-lo de anjo, meu amor. E a multidão passou a fazer amor ali mesmo.

Alguns interpretam que o filme é uma metáfora do nazismo, mas também pode ser uma fuga ao maniqueísmo, pois revela que o mal pode também produzir o bem. No final, Jean-Baptiste Grenouille é absolvido e a sociedade arranja outro culpado para o seu lugar. Ele volta à cidade onde nasceu, e lá se banha no perfume obtido das virgens. Numa cena eucarística, ele é comido pela marginália que ainda habita aquele lugar, como se quisesse ser como ele.

No Nordeste, "dar um cheiro" é ato de cheirar carinhosa ou sensualmente alguém. É amar o outro pelo olfato.

Perfume
Perfume: The Story of a Murderer
Direção: Tom Tykwer
Duração: 147 minutos
Ano: 2006

O Perfume: a História de um Assassino
Autor: Patrick Suskind
Editora Record
218 páginas
1985



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