A Garganta da Serpente
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Movimento em Falso

(Abilio Terra Junior)

Wilhelm deseja ser escritor. Mas, permanece em sua solidão e em sua busca. Em certo ponto do filme, ele diz: 'escrever não por escrever, mas por querer escrever'. Ele também diz: 'parecia que eu tinha perdido algo, e ainda estivesse perdendo com cada movimento novo.' Wilhelm (Rudiger Vogler) encontra em seu caminho Thereze, a atriz (Hanna Shygulla), Mignon, a 'artista' que se apresenta nas praças (Nastassja Kinski, então com 13 anos, no seu primeiro filme), o velho, que fora nazista, e atleta dos Jogos Olímpicos de 1936, que toca gaita para que Mignon se apresente em público com seus malabarismos, e o rapaz gordo, que é poeta.

O poeta os conduz à casa do seu tio, que, depois, descobre não ser o seu tio, que vive sozinho, e os recebe com uma espingarda à mão, na escada de madeira, a mesma escada onde se suicidará depois, enforcado, assim como a sua mulher, que se enforcara três meses antes. Ele é um industrial. Fala da solidão com naturalidade, ela fortalece, segundo ele. Fala do medo, de como ele se escondeu sob diversas máscaras, na Alemanha.

Todos falam dos seus sonhos. O grupo sai para passear a pé, subindo uma estrada de terra. Conversam, e o poeta tenta se lembrar do sonho que tivera, sonhara com o seu 'tio', à beira de uma ribanceira, e, ao contá-lo, desperta a aflição em Wilhelm e Thereze, que sentem um mau presságio. Retornam à casa do 'tio', primeiro andando, depois correndo. Wilhelm é o primeiro a chegar, e a ver o industrial enforcado. Afasta as mulheres, tira, com um tabefe, a gaita do velho, pois ele a tocava naquele momento doloroso para todos. Entram no carro e se afastam da casa. A partir daí, tudo muda. Wilhelm diz que a viagem pela Alemanha, que se pretendia uma aventura, assume feições de tragédia.

Na casa de Thereze, finalmente, ele a procura, em sua cama. Na casa do industrial, ele a procurara também, mas Mignon a substituira, ardilosa. Thereze percebera o que sucedera.

Antes, ainda no passeio do grupo, Wilhelm diz a Thereze que sentia vontade de matar, com as suas próprias mãos. Thereze percebe que ele se refere ao velho. Na balsa em que atravessam o rio, Wilhelm tenta atirar o velho ao rio (já sabia que ele não nadava), mas não o faz. O velho solta sangue pelo nariz e, depois, corre, se vai. Durante o passeio, Thereze pergunta a Wilhelm se vira penas de pássaro na estrada, e, debaixo delas, um bico de pássaro. Ouvem-se tiros, enquanto caminham. Na volta, vêem um caçador, que parte, em uma motocicleta.

Na casa de Thereze, enquanto passa roupa, ela confessa que costuma se esquecer das falas, no teatro, e que, mesmo com o contra-regra a postos, a ditar as suas falas, emudece. Ela se enerva com a placidez de Wilhelm, que escreve, na máquina de escrever. Ela o agride, com as suas mãos, e diz que poderia matá-lo, entrando em contradição com o que afirmara no dia anterior. Ele lhe diz que ela está prejudicando o seu trabalho, mas sabe que está a usar um subterfúgio.

Antes, ambos conversando, Thereze dissera a Wilhelm que ele não percebia muitos detalhes, e, sendo assim, como poderia vir a ser um escritor? Ele lhe responde que isso, de fato, acontece, que ele demora a observar, mas ao observar, ele sente, e, assim, ao escrever, transmite não apenas uma observação, mas uma experiência. Era o que ele chamava de 'olhar erótico', a certa altura.

No início do filme, ele quebrara o vidro da janela do seu quarto, na casa onde vivia com a sua mãe. A sua mãe o observa, e lhe diz para ele se ir, pois ela vendera a sua loja a um supermercado, e pretendia viver sozinha. Reservara uma parte do dinheiro da venda para ele. Diz a ele que conserve a sua inquietude, a sua insatisfação, a sua ansiedade, pois só assim se tornará um escritor. Wilhelm diz a si mesmo que se sente insensível, que esquecerá das pessoas da sua cidade em breve, o mesmo ocorrendo com respeito à sua mãe. Na despedida, na estação de trem, ela lhe diz que o ama, e pede que ele não se esqueça dela.

Já no trem, ele vê sangue no banco à sua frente e conclui que alguém perdera sangue pelo nariz. No banco do lado, e à sua frente, uma jovem o observa, sem tirar os olhos dele. É Mignon, depois Wilhelm vem a saber. Pouco depois, o velho chega e senta-se a sua frente, e começa a tocar a sua gaita. Mignon também se aproxima e senta-se ao lado do velho. Wilhelm paga as passagens de ambos. O velho diz a Mignon que agradeça a Wilhelm. Ela faz algumas piruetas e acaba se ajeitando ao lado dele, que lê um livro, que a sua mãe lhe dera.

Na casa de Thereze, sabe Wilhelm que seguirá sozinho. Como se separarão, pergunta a Thereze? No meio de uma multidão, é o que ela responde. Mas não é o que acontece. Já em pleno dia, percebem que não há multidão. Despedem-se com naturalidade, sem beijos. À uma pergunta de Thereze, Wilhelm responde que não há dúvida de que se verão de novo. Mignon também se despede dele e segue Thereze, ambas entram em uma loja.

Wilhelm parte sozinho, cheio de dúvidas e indagações, mas sem maiores remorsos. 'Movimento em Falso', nome do filme, resume tudo isso. Wim Wenders indaga das condições da Alemanha de então (1975), as chagas do Nazismo, ainda abertas, pingando sangue, como do nariz do velho; a solidão, que parece ser mais dura e mais pungente no alemão, como, a certa altura, confessa Thereze; a poesia, o livro, a filosofia, sempre presentes; a morte, tão próxima; a juventude, a velhice, a maturidade, a individualidade, o encontro, o desencontro.

A certa altura, no passeio do grupo, o poeta diz a Wilhelm que acabou de criar uma poesia: 'a mulher, com amor, observa os seus filhos a comer', e Wilhelm lhe responde que também acabou de criar um pequeno conto: 'ele a amava, se declarou, ela pegou uns palitos e ele passou a odiá-la, desde então.' Eles se casaram, pergunta o rotundo poeta? Sim, Wilhelm responde, e viveram juntos desde então. Ora, mas eles precisam ter nomes, diz o poeta. E lhes dá nomes. Wilhelm concorda com os nomes, e diz: isso acabará por se tornar um romance. E ambos sorriem.

Wilhelm vê Thereze, pela primeira vez, ainda no trem, na estação. Ele sentado, só, no banco. Ela, na estação, ambos se vêem, ela toma o outro vagão, do outro trem. Ela abre a janela, e Wilhelm fica observando-a, até que ela desaparece. Mais tarde, ele recebe um bilhete, do funcionário do trem, que também fora nazista, na guerra, segundo o velho, trabalhara com ele. No bilhete que Wilhelm recebe, Thereze escrevera o seu número de telefone. E, assim, eles acabam por se encontrar.

'Movimento em Falso' constitui um dos filmes que compõem a trilogia de Wim Wenders 'on the road', composta por 'Ao Correr do Tempo/Im Lauf der Zeit', 'Alice nas Cidades/Alice in den Stadten', e este último, 'Movimento em Falso/Falsche Bewegung.' O filme é inspirado em Goethe, cujo romance 'Wilhelm Meisters Lehrjahre (1795) é a base do roteiro de Peter Handke.

(09/10/2009)

Movimento em Falso
Falsche Bewegung
Direção: Wim Wenders
Duração: 99 minutos
Ano: 1975



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