A Garganta da Serpente
Cine Cobra para ler e assistir
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Um Pouquinho de Vitória e Cinema e Muito de Beleza Natural no Coração Capixaba

(Aurora Miranda Leão)

O convite para a III Mostra de Vídeo Ambiental do Caparaó me pegou de surpresa. Estava prestes a deixar São Luís, onde estive para a vigésima-nona edição do Guarnicê quando Petrus Cariri me telefona. Sem poder estar na Mostra, a ser realizada de 05 a 08 de julho, perguntou-me se queria representá-lo na MoVA. Aceitei de pronto.

Petrus, um dos mais promissores realizadores do Ceará, havia aprovado na seleção da Mostra seu belo "Dos Restos e das Solidões", filme já beirando a décima premiação em festivais pelo país e seguindo com êxito o circuito de festivais, no Brasil e no exterior.

Chega o dia da viagem e eu teria muitas horas de espera em aeroporto pra conseguir chegar a Vitória, de onde seguiríamos (eu e os outros realizadores convidados) numa van em mais 4 horas de viagem. E assim, por volta das 15h, tomamos a rota do Caparaó - gente do Rio, de Goiânia, São Paulo e também alguns capixabas. Conosco, a grata surpresa de reencontrar Jefferson Albuquerque Jr., cineasta cearense que há tempos não via e hoje sei do quanto tem feito pelo incremento do audiovisual entre jovens do Espírito Santo.

A imponente vegetação da viagem até Caparaó encharca nossos sentidos e aos nossos olhos descortina-se uma paisagem de rara beleza, emoldurada por formações rochosas invulgares - como a célebre do Frade e da Freira em Cachoeiro do Itapemirim, uma das muitas cidadezinhas bonitas que atravessamos -, e muito caldo-de-cana pelo caminho.

Pequenos atrasos pelas paradas provocadas pelos próprios viajantes não desanima nem tiram o enlevo da nossa caminhada. Chegamos ao município de Dores do Rio Preto depois das 20h. E foi lá, no distrito de Pedra Menina (entrada para o Parque Nacional do Caparaó, onde está localizado o Pico da Bandeira) que a organização da MoVA armou a "lona" e preparou a vasta programação da qual participamos todos com muita alegria.

Cada um ganhou sua própria "hospedagem" (na realidade, casas de moradores que recebem convidados e a eles disponibilizam moradia e café da manhã, daí chamados Cama & Café; alguns desses a nos acolher com sorriso e coração abertos foram Tanimar e Lanúcio (e Victor Hugo, belo garoto plantador de saudade, e D. Teresinha e seu Olício). Guardadas as bagagens, dirigimo-nos ao restaurante Sabor da Terra - uma casinha acolhedora toda em madeira, onde comemos gostoso feijão preto com deliciosa carne assada e variedade de verduras. Em seguida, descemos ao circo armado para as exibições num grande espaço à entrada de Pedra Menina. Ali, o mais bacana era olhar o chão de terra quase "brilhante", todo picotado por restilhos de algumas pedras semelhantes a granito e cristal, picotes de luz a adornando uma atmosfera magicamente propícia a um santuário ecológico.

Surpresa primeira: ali, a Companhia Circo Teatro Capixaba abria a noite, seguindo-se a saudação de um simpático acordeonista: Mirano Schüller saudava convidados e participantes com músicas típicas da França e da Itália, as fortes seleções ainda disputando a Copa do Mundo. E como não se emocionar com La Vie en Rose ?

Depois assistimos à animação Casamento Caipira, realização dos alunos da oficina de Animação Itinerante, sob a batuta de Jefferson Albuquerque Jr., responsável pela direção do documentário Ver de Perto, mostrando a subida ao Pico da Bandeira por um grupo de deficientes visuais, verdadeira expedição dos sentidos. A Quadrilha Sinhá da Mata encantou com seus passos e ritmos bem diferentes dos tradicionais, aplaudidíssima. E este foi o clima predominante em todos os dias da MoVA. Pela manhã, oficinas de Animação com crianças e adolescentes, de "Fotografia em lata" (uma das que mais sucesso fez), a de Zine, a de Causos e Lendas, e a de Cantigas de Roda. Não faltou espaço para o Encontro de Tradições Populares e para a exibição dos filmes premiados na oitava edição do FICA (Festival Internacional de Cinema Ambiental de Goiânia). Quem não estava nas oficinas e na mostra de Animação para Crianças, saía para conhecer os entornos de Pedra Menina, cada um mais encantador que o outro. Atravessando uma das muitas pontezinhas, chegamos em Espera Feliz, município da vizinha Minas Gerais. E ancoramos na pousada Vale a Pena, onde há convidativa cachoeira. Quem tiver inveja de tanta coisa, não se culpe. É verdade: ficamos quatro dias ancorados num lugar paradisíaco, onde a tristeza não tem espaço, a raiva morre de inanição, a injustiça apodrece nas páginas de algum dicionário e a serenidade é rainha-soberana. Foi lá em Vale a Pena que conheci Neusa Mendes, Secretária de Cultura do Estado do Espírito Santo, figura tão simples quanto encantadora. E lá tivemos um dos melhores almoços da temporada, onde não faltaram torresmo e farto feijão preto bem temperado, pratos-chefe da culinária pedra-meniniana. No caminho, a visão quase perfeita da Pedra Menina, a formação rochosa que dá nome ao distrito onde a MoVA aconteceu neste 2006 cujos meses correm velozes para o Natal.

As noites super frias de Pedra Menina faziam contraponto quase esquisito com o calor humano espalhado pelas ruazinhas pacatas e aconchegantes do lugar. Não raras vezes, o figurino exigia duas-três calças e três-quatro blusas-camisas por baixo de agasalhados casacos para agüentar a temperatura, sempre beirando os graus próximos ao zero. Mas tudo servia de pretexto para abrigar a alegria e acabamos todos saindo do Caparaó com um animado e solidário grupo de amigos, os quais já planejam o próximo encontro. Tem a Ylênia Silva, coordenadora de Produção e a Camila Fregona, da Assessoria de Imprensa; a Daniele, o Paulo Miranda, o "Patropi", o André Sampaio e o Nenna B, figura super astral, " o artista plástico mais revolucionário de Vitória", conforme me explicou o amável Agostino Lazzaro; o Seu Carlos, simpático motorista da Secult, que nos ajudou a colher pinhas na aprazível pousada do alto da floresta, onde provamos inigualável suco de morangos silvestres...

Pra não deixar clima tão gostoso e feliz cair nas teias de nossas fugidias memórias, nasceu então a idéia de criar uma Associação Cultural capaz de nos juntar a todos e, ao mesmo tempo, contribuir para a preservação do cenário natural, ecológico, artístico e humanista da região do Caparaó. Assim, surgiu a ACAM - Associação Cultural dos Amigos da MoVA, logo apoiada por todos.

A ACAM ficou assim constituída: Orlando Lemos, presidente; Gui Castor, vice-presidente; Aurora Miranda Leão, Diretora de Comunicação e Coordenação Artística; Éder Bruno - Secretaria; Coordenação de Atividades Educativas, Neusa Maria Mendes; e mais um Conselho Consultivo onde estão Margarete Taqueti, Cecília Nakao, Agostino Lazzaro, Glecy Coutinho e Lanúcio Rodrigues.

E sob os auspícios da nova Associação, surgiu o vídeo "Maia", dirigido, roteirizado e editado por Orlando Lemos e Gui Castor, atração-surpresa no encerramento da MoVA. Os "astros" do filme compareceram em peso ao Circo para conferir sua "atuação", a ACAM foi lançada oficialmente, os vencedores foram conhecidos e subiram ao palco para receber seu troféu. O longa Caparaó, de Flávio Frederico (premiado no Festival de São Paulo), fechou com chave de ouro uma Mostra de Vídeo Ambiental com tudo para virar um dos grandes painéis da produção audiovisual brasileira.

Os vencedores foram os seguintes: Melhor Vídeo Capixaba - O Homem que Não Pode Responder por sua própria Existência, de Gui Castor; Melhor Vídeo Nacional - Governança, A Nossa Relação com o Poder, de Júlio Wainer (SP); Melhor Vídeo para o Júri Popular - Peixe Frito, de Ricardo Podestá (GO); e Menção Honrosa para Júnior, de Priscilla Botto e Christian Steinhauser (RJ).

O filme de Flávio Frederico foi aplaudido de pé e é de suma importância para a Cidadania Brasileira. Enfoca a aguerrida luta de 14 militares brasileiros, os quais escolheram a região do Caparaó como sede de seu protesto contra o que ocorria no país ao tempo negro da ditadura. É peça obrigatória no currículo audiovisual de todas as Universidades e espaços culturais do país. Uma riqueza o trabalho de pesquisa e as imagens raras conseguidas por Flávio, além de ser um documentário de extrema competência, nada cansativo e capaz de nos encher de orgulho-pátrio, auto-estima e consciência cidadã. De parabéns à Secretaria de Cultura do Estado por ter exibido o filme na MoVA.

Após o encerramento, tentamos "fugir" do frio num jantar festivo que juntou toda a turma no único restaurante aberto. E entre delicioso feijão preto quentinho, verduras, farofa, carne assada, o gostoso refrigerante Coroa (fabricado no município de Domingos Martins), vinho e caldo verde, não faltou espaço para troca de endereços, abraços, afetos, alegria e um bem humorado arranhar de violão, onde deixamos as "encabulices" de lado e cantamos de Roberto Carlos a Paralamas. Dia seguinte, a volta para Vitória pelo lado das serras capixabas foi mais um convite a retornar ao mágico Espírito Santo, uma festa para os olhos e um cuidado especial com as artérias. O Estado é um dos tesouros imagéticos do país, pouco conhecido e necessitado de carinho e atenção especiais, tal sua magnitude e riqueza patrimonial.

Estar no Caparaó foi enfim o inesperado acme deste julho de tantos matizes e afazeres, um bálsamo para a alma e um estímulo permanente ao zelo com a preservação do meio-ambiente e do futuro das novas gerações neste país tão rico e desconhecido de seus próprios filhos.

Viva Caparaó ! Salve Pedra Menina ! Todo apoio à MoVA ! E vamos a 2007 com uma Mostra de Vídeo Ambiental ainda melhor e sempre com atrações capazes de solidificar a presença do Caparaó no circuito audiovisual brasileiro !



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