Neruda morto de câncer então agora quem falará de amor com
ela? Não lhe basta a rosa vermelha comprada às pressas como álibi,
não lhe satisfaz a presença ausente deitada ao seu lado na cama.
Não lhe contenta a aliança que fez 25 anos no dedo. Não
lhe adianta o aplauso social para o casal que deu certo, o status de classe
A, o Credicard, o AP de frente pro mar, as férias em Floripa,
os filhos formados, ostentados como troféu de uma relação
que deu frutos.
Neruda morto de desgosto, então agora quem falará de paixão
com ela? Não lhe basta o acompanhante na cirurgia, o motorista gratuito
nas viagens, o apetite voraz em seus doces feitos com mascavo do amor, o amiguinho
que lhe compra pipocas no cinema, o ar complacente ao choro que vem de repente,
as contas pagas com ar indulgente, a paciência na TPM, o riso displicente
com suas contestações sobre a relação.
Neruda morto de desilusão, então agora quem falará com
ela da poesia do dia-a-dia? Do perfume novo com cheiro de mato, do vestido florido
feito pra usar na primavera, do carmim colocado na boca para lhe deixar louco,
da lua safada que adora ser voyeur dos amantes, do olhar perdido no casal de
namorados que lhe dão tanta inveja, que vibrará com ela a cada
nascer do sol?
Fale com ela ou enterre-a com Neruda e case-se com o controle remoto.
Fale com ela
Hable con ella
Direção: Pedro Almodóvar
Duração: 112 minutos
Ano: 2002
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