E o cinema nacional, como a fênix, ressurge das cinzas da era Collor,
e apresenta uma produção cada vez mais diversificada e fértil.
De passagem, assisto à uma entrevista da cineasta Ana Carolina a respeito
do seu último filme, sobre o poeta Gregório de Mattos. Ela diz
da sua antiga admiração por Gregório, desde sua juventude,
e de como ele representa a gênese da poesia brasileira. O salto criativo
de Oswald e Mário de Andrade, por exemplo, segundo ela, só aconteceu
devido à presença genial de Gregório de Mattos em nossa
poética.
E ela fala da sua própria identificação com as minorias,
os excluídos, os transgressores, como os poetas, dos quais Gregório
foi o seu primeiro e exemplar representante. E fala também de como, todos
nós, mais dia, menos dia, daremos com os costados em Gregório
de Mattos, pois ele é a base da brasilidade, o pioneiro, o que abriu
os caminhos para todos nós, e quem quer que venha a conhecer melhor nosso
itinerário cultural, como povo, se deparará com o nosso grande
Gregório.
E ela continua dizendo que o seu filme apresenta uma linguagem original, que
vai de encontro à "carne e aos músculos" do atual cinema
nacional, que toma como modelo o paradigma da televisão e, principalmente,
da Rede Globo. Belas e inteligentes palavras de Ana Carolina, aqui bem resumidas.
E que o nosso cinema realmente se renove e consiga despontar, realimentando
o nosso cenário cultural, ao lado da poesia, da prosa, das artes plásticas,
da música, do teatro.
Que todas as nossa manifestações culturais se renovem, assim
como a nossa política, a nossa economia, a nossa justiça, a nossa
educação, a nossa saúde. Agora, que se aproxima o momento
em que poderemos contribuir, com o nosso pequeno, mas poderoso voto, por todas
essas mudanças, que saibamos exercer esse direito com consciência
e com o mesmo ímpeto com que o grande poeta Gregório de Mattos
afrontou os preconceitos, a intolerância, os sistemas arcaicos e carcomidos
que dominavam a sociedade da sua tão distante, mas, em tantos aspectos,
tão próxima época.
Pois nem tanta coisa mudou em nosso país, se ousarmos ter o mesmo olhar
crítico que teve Gregório no seu tempo. Continuamos ainda curvados
sob o peso de tanta corrupção, desmando, irresponsabilidade social,
política e econômica, que nos enfraquece e sabota o nosso idealismo
e esforço, perante outras nações, e, principalmente, perante
nós próprios.
Se, na época de Gregório, vivíamos sob o jugo português,
hoje, somos dominados por todo um esquema multinacional perverso, cujas regras
são ditadas pelas economias mais desenvolvidas, e, em especial, pela
hegemônica economia norte-americana. Só como um exemplo, os pesados
tributos que são impostos sobre os nossos produtos ao ingressarem no
mercado dos EUA, assim como nos de outros países que compõem o
G-7 (ou G-8).
Aquelas medidas que nos são arbitrariamente impostas pelo FMI, correspondem
exatamente ao oposto daquelas adotadas na economia norte-americana. E, assim
como nos ciclos econômicos do passado tivemos nossos recursos drenados
para Portugal e a Inglaterra (que com o nosso ouro, financiou a sua revolução
industrial), hoje, da mesma forma, nossa riqueza se esvai, ao pagarmos nossas
dívidas externa e interna, em principal e juros, pelos decênios
afora; ao vendermos nosso patrimônio público a preços desvalorizados;
ao deixarmos de investir em pesquisa, como fazem os países mais desenvolvidos
e os próprios "tigres asiáticos"; ao exportamos nossa
matéria prima que, depois, retornará para nós na forma
de produto acabado, a um preço multiplicado muitas vezes; ao aceitarmos
as regras impostas pelo FMI de uma política econômica subserviente,
que não serve aos nossos interesses, em vez de adotarmos uma política
econômica inteligente e independente, como temos inúmeros exemplos
entre outras nações emergentes, como a China, os próprios
"tigres asiáticos" e o México, em seu atual governo.
Os índices econômicos e sociais, aí estão, para reforçar
nossa argumentação.
Estamos empatados ou atrás de outros países de muito menor expressão
econômica e social. Enquanto isso, nos índices negativos, como
tráfico de drogas, AIDS, exploração de menores no trabalho,
baixa qualidade de vida, prostituição infantil e juvenil, carga
tributária, concentração de renda, desperdício de
bens e recursos, má qualidade na educação desde o 1o ao
3o grau, corrupção pública em todos os níveis, municipal,
estadual e federal, índices de criminalidade, justiça inoperante
e arcaica, aparato policial e presidiário também inoperante e
arcaico etc, estamos sempre nas primeiras colocações...
E os índices alarmantes de desemprego, subemprego, falência em
massa de nossas empresas privadas, pequenas, médias e grandes, ou sua
venda para empresas estrangeiras e multinacionais? E a carência de oportunidades
de trabalho para os nossos jovens, e, principalmente, para os pobres e os negros,
vítimas tanto de preconceito social quanto racial?
E a perversidade de nosso mercado de trabalho, que demite, sumariamente, profissionais
capacitados e experientes, ao ingressarem na faixa dos quarenta anos de idade,
exatamente quando estão no auge da sua capacidade criadora, pelo acúmulo
de experiência, em um país que tanto necessita de mão de
obra preparada e experiente, e o desperdício que isso representa, em
termos econômicos, profissionais e sociais, quando sabemos que, em outros
países, principalmente naqueles com uma cultura mais embasada, pessoas
em avançada idade encontram oportunidades de trabalho?
Até quando veremos os nossos recursos públicos e privados serem
assim esvaziados? O que diria Gregório de Mattos se aqui estivesse? Sem
dúvida, diria o mesmo, como nos ácidos poemas do seu tempo, perplexo
com o que veria! Mas, nada mudou, meu Deus? Pelo contrário, em muitos
aspectos, até piorou? Como foi/é possível tal calamidade?
Adaptaria, é claro, a sua linguagem aos "novos" tempos, e
voltaria à sua poética marcante e devassadora. Teria tanto o que
dizer!
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