"Solto os meus demônios
interiores para o mundo.
Não quero que eles habi-
tem em mim..."
(Glauber Rocha)
Fragmento de um jogo de cena: Glauber ainda vive? - Ainda vive nos estilhaços
quizilentos da democracia pós-Lula, montado nos bastidores sórdidos
por um vingativo e decadente Zé Serra metido a bom-bril vampirizando
o PT Light. Na tomada-improviso meio top em que Gil-Berto-Gil desce do palanque
pop-oficial e dança seu maracatu atônito, frente a tantas áfricas
utópicas desse brasilis-bahia em transe. A arte só existe quando
há revolução?
Glauber Rocha ainda vive: a cara e a coragem do Brasil está no Hip Hop
rueiro, no rock fundo de quintal, nas garagens virtuais da literatura, nas parabólicas
de violência impune, nas federais acontecências que tiram o burro
amarrado das sombras palaciais e botam pra quebrar em paraísos fiscais
de agiotas. Saravá, Carlinhos Brow!
Glauber Rocha ainda vive na estética pilar de Gisele Butchen que desfila
cores de alpercatas de plástico, na Rede Globo que resgata culturas marginais,
nos feudos de reality show que soam pipocas ultra-nadas, ou na própria
decadência do futebol prosopoéia-garrincha para uma caixa de água
futebolística que provoca sonos - onde zero a zero é goleada.
O preto e branco da mesmice?.
Glauber Rocha do nascimento-moradia num 14 de Março em Conquista-Tiroteiro,
depois reviçado aleluia outro-ele na chamada Pousada 14 em Salvador,
Bahia, passando pela ótica de uma tomada-plug que o revitalizou made
in Bahia, até o que morreu revirão meio Carlito Chaplin a la Di
Cavalcanti, com todos os seus deuses e diabos numa fauna cultural tropicália
e seu desbunde Cinema Novo, olho do furacão nas terras áridas
das imaginações regradas pra redutos bisotês de mediocridades.
O sapo chulé entre gárgulas godês e seu jogralesco datado.
Fragmentos estéticos na arte pura, e circo...
Glauber Rocha ainda vive porque ainda vive esse Brasil meio Índia, meio
cubanizado, meio pan-plural entre neomalditos e modismos de mesmices com chantilly
pra disfarçar o óbvio ululante.
Glauber Rocha ainda vive sim, meio cara pálida, meio cara e coragem,
meio anti-radar tantã de tanto guetos rebocados para ONGs que ganham
e não arregaçam as mangas. Por trás de toda idéia
há uma orquestração bocó?
Glauber Rocha cheira a tez chão que transmuta em telas ácidas
e filmes puros. Revolucionário no kit básico, olho no alho, decompõe
o imagético pela câmera revelando seu olho cítrico de seu
ser peregrino-cigano tropical. A arte-coragem. O grito artístico para
as cabeças cortadas das faunas consumistas; quando ele às vezes
até foi boi de piranha, mas deu seu couro no curtume além das
hortênsias sensíveis.
Glauber Rocha da arte como invenção, tomando pelo plug de seu
inconsciente, o sonho enloucurando formas novas, para uns, reacionário,
para outros, estrelário, tudo isso e muito pelo contrario. Meio Pessoano,
meio Godard, sudário, tudo a ser.
Glauber cheira a sovaco do homem-terra. Filmes de combate para revelar o cacto
no espelho de sua raiz pragmática. O entusiasmo dos descaminhos. As brigas
para decompor-se do inteiriço para a realidade barrabrava. Ele mesmo
o santo guerreiro?...
Glauber Rocha prolixo no palavrear, sintético no dirigir, ferino no pensar
arte-política, Sua arte é seu calcanhar de Aquiles? Era o cineasta
querendo ser poeta, em terra de lucradores com medo do novo que cheirava a talco
como bumbum de bebê. Ave Gil.
Glauber Rocha era o entusiasmo bruto. Querendo ouvir a voz do homem, traduzi-la
em imagens, e dizer seu berro ao sabor da teatralização anti-formal.
Ele mesmo atacando. E com um enorme acervo de patrimônio cultural.
Sim, companheiros, Glauber Rocha ainda vive, no dragão da maldade Zé-Bobo
Serra quando atiça ilicitudes, nas paródias de tevê ora
imbecilizada pra consumo, ora comprometida pra globalização-nojo,
ora a bairrista imprensa desleal atrelada ao neo-escravismo da terceirização
neoliberal, ora o povo sem pão e sem água, ora um qüiproquó
geral no fragmento de um carnaval nu e cru para despistar o logro final: perdas
e drenos.
Glauber Rocha ainda vive. Quando a piada é velha e a cara nova. Quando
a máfia é nova e o marketing usado, quando tudo se copia do nada,
quando o novo é velho e ele está ali, preto e pranto, no moleque
de rua sobrevivendo avião passador de fumo falso, no índio queimado
por filhinhos de papais doutores hipócritas, no rouba-mas-faz de um turco
impune por relação promíscua com desembargadores sem quarentenas
éticas, entre gregos e bahianos revelando sua ária fagulha de
visionário, todos os brasis num mesmo barco: encalhado na estagnação
cultural pós FHC et caterva.
Esse Glauber amado e odiado, esse Glauber satanizado e divinizado, ainda respira
o reboco do neo-rural, ao barroco da politicagem coivara, tudo a ver entre insanidades
e infâmias. Relembrando Glauber, vemos o velho Brasil de novo, e o novo
Brazyl com coiós urrando feito arautos do arbítrio, entre tucanos
e arapongas do retrocesso. Viva Zapata, ou a poesia e a política eram
demais mesmo, para só uma cabeça pulsando idéias a mil?
Glauber Rocha ainda vive. O homem-caos. O paradoxal Glauber zen-pulsante. Sim,
ele ainda está ali na poesia-rock de Arnaldo Antunes, no Provocações
do Abujamra, no Circo de Pulgas do Corinthians levado a reboco, do Lula Light
adquirindo saquinhos de chá embaixo dos olhos cansados de remar a seco,
da tevê inventando o antigo com nódoas, de Caetano Veloso cantando
bregas baladas, da seleção brasileira tropeçando na bola
quadrada, dos programas ao vivo que mostram a morte da criação
e do jazz improviso da reação bundalelê. Benza-Deus!
Sim, a arte só existe enquanto coragem. Passageiro da agonia de si mesmo,
Glauber deu seu brado retumbante, no entanto, enorme e imenso tombou por causa
de uma mísera bactéria, mas, quadro a quadro, revelando-se a sua
vida, vejo-no como um anjo demolidor de estéticas, arrotando contra barbáries,
tocando calendários de feridas, questionário de si mesmo e, claro,
sempre antifraude. Ave Glauber! Os que estão a sobreviver são
saúvas de searas vermelhas...
Para mim Glauber Rocha foi o Elvis Aaron Presley do Cinema Novo, rebolando para
os guetos, chutando barracas de mágicas montadas, de igual origem crente
mas ainda assim indo buscar raízes entre as baianidades catolumbandas,
até trazer-se inteiro e modificador...para agito geral e uma gandaia
global.
Se eu fosse a santa mãe do Glauber Rocha - Deus deve amar as mães
dos loucos (ai de ti Cazuza!) - como há a Assembléia de Deus de
Elvis Presley em Memphis, criaria também a Assembléia de Deus
do Glauber Rocha em Conquista, Bahia. Tudo a ver?.
E não me venham as abóboras selvagens com falácias podres
de pensamentos únicos.
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