A Garganta da Serpente
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O Estado das Coisas

(Abilio Terra Junior)

Em 1978, Wim Wenders foi convidado por Francis Ford Coppola para dirigir um filme americano em Hollywood. No entanto,em meio às filmagens, ele teve uma crise com o produtor sobre a concepção do roteiro e das filmagens. Seu estilo autoral e independente não se encaixava nos padrões americanos, o filme Hammett levou sete anos para ser concluído e só foi lançado em 1982. No intervalo das gravações de Hammett, Wenders escreveu e filmou 'O Estado das Coisas', uma reflexão sobre o cinema e sua concepção.

O alemão Friedrich dirige um filme em Sintra, Portugal, mas os rolos do filme acabam. Todos ficam ociosos, procurando o que fazer, aguardando que o produtor americano Gordon libere o dinheiro para o restante das filmagens.

Finalmente, Friedrich decide se dirigir a Los Angeles para procurar Gordon. A secretária de Gordon lhe diz que Dennis, o roteirista, seu namorado, que está em Portugal, na casa de Gordon, foi quem colocou o seu próprio dinheiro no filme, 200 mil dólares.

Friedrich acaba descobrindo Gordon, que está vivendo, com o seu pequeno cão e o motorista Herbert, no trailler deste último, rodando dia e noite, para não ser morto pela máfia, pois parece estar envolvido com lavagem de dinheiro, segundo Joe, o diretor de fotografia, vivido pelo cineasta alemão Samuel Füller, radicado em Holywood.

O filme reflete o choque entre duas concepções de cinema: o cinema autoral, independente, com liberdade criadora, representado pelo diretor Friedrich, e o cinema-indústria, típico de Hollywood, em que o diretor tem que se enquadrar no que pretendem os produtores, buscando, acima de tudo, o maior lucro possível, representado pelo produtor Gordon.

Esse diálogo retrata bem este contraste: Gordon (Go.): como fazer um filme sem uma história? É como construir uma casa sem paredes. Friedrich (Fr.): não precisa de paredes, o espaço entre os personagens suporta. (Lembrei-me, neste ponto, de alguns filmes de Lars von Trier). Go.: você fala da vida. Filme não é a vida, filme é uma história. Se eu tivesse feito este mesmo filme com um diretor americano e em cores, em seis meses estaria no topo do mundo. Conseguiria 100 mil dólares. Os financiadores perguntaram: para onde foi a cor? Parece preto e branco! Eu lhes disse: o filme é em preto e branco! Fr.: eu sei como contar histórias. Incessantemente. Conforme a história vai surgindo, a vida vai se esvaindo. Tudo acaba compactado em imagens. Mecanismos... Morte. É só disso que as histórias falam. Todas as histórias falam de morte................................. Go.: hora dos sobreviventes se despedirem, hein? Neste ponto, ambos já estão fora do trailler, próximos do carro de Fr. Nisto, Go. leva um tiro nas costas, quando estão ainda abraçados. Fr. filma a rua e o carro de onde partiram os tiros. Em seguida, Fr. leva um tiro no peito. Cai e continua filmando o carro fugindo, cantando os pneus. A câmera filma de lado o carro que se afasta e o asfalto.

Segundo Hudson Moura, em sua crônica 'O Estado das Coisas no Espaço e Tempo de Wim Wenders', "O Estado das Coisas', se tomarmos como autobiográfico, podemos perceber que os filmes Wenderianos refletem a busca do cinema puro. Com este filme, particularmente, Wenders descobriu que a existência de histórias não implica na perda de um cinema engajado, ou melhor, como prefiro chamar, de um cinema com identidade.

(17/01/2009)

O Estado das Coisas
Der Stand der Dinge
Direção: Wim Wenders
Duração: 116 minutos
Ano: 1982



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