Vi e revi o filme esplendoroso de Marcus Vilar 'Duas vezes não se
faz'. Vivi a 'avant prémier' no escurinho do cinema, ao lado do meu
filho Mateus e do amigo e professor Carlos Cartaxo. Estava preparado para ver
o que vi. Espero que você ao ver também esteja. Marcus Vilar, como
Torquato Joel, não se renderam ao canto da sereia da PMJP. Pensam por
si só. E claro, por todos nós. Pois não temos como entender
esse filme de Marcus Vilar a não ser como um prelúdio ao que se
possa acontecer ainda com a ponta do Cabo Branco. E não quero misturar
minha opinião do que se faz e já se fez com o Cabo Branco e o
filme de Vilar. O filme de Marcus tem gosto de poema e denúncia. Mesmo
tendo sido feito em homenagem - justíssima por sinal - ao grande artista
plástico dos tempos possíveis Hermano José. Fico feliz
de viver na presença e na existência de tão decentes figuras.
'Duas vezes não se faz' diz o poema de Hermano Almeida. E não
se fará enquanto não compreendermos que a ponta do Cabo Branco
é apenas, DISSE APENAS, a ponta MAIS ORIENTAL DAS AMÉRICAS.
Só isso. Qualquer penduricalho que possam agregar a essa imensa referência
será apenas mais um penduricalho. Com grandes possibilidades de virar
elefante branco com o tempo. Pois a 'ponta' já é bem maior que
qualquer dessas coisas. A 'obra' de Oscar Niemayer é um desfrute dispensável
naquele local. Mais valia vinte novos centros culturais nos bairros. Mas alguém
precisa dizer a que veio não é? Tal qual candidato a obras faraônicas
e de egos inflados. A ponta que se lixe. E como lixaram bem. Basta olhar as
imagens, prestar atenção a paisagem.
O veio do filme de Marcus Vilar é ressaltar o amor que todos têm
pela Ponta do Cabo Branco. Como no poema de Vanildo Brito, um amante da natureza
de todas as coisas. Já Hermano José é o melhor exemplo
da dignidade viva. É um homem decente e com uma produção
cultural irrepreensível. De Luiz Augusto Crispim - órfão
que ficamos - fica o testemunho de um homem que se fez palavras e poemas para
que o entendêssemos. Já José Américo de Almeida exilou-se
na praia do Cabo Branco a recontar sua própria história. E por
fim, com passos lentos e seguros desse menestrel das letras chamado Ascendino
Leite. Todos passeiam no seu amor e nas suas preocupações com
um cabo que foi e é agredido diariamente.
Eu e Ana Maria passeando pelo Cabo Branco anos a fio, olhando a paisagem e constatando:
o mar está subindo. Eu vi, ela viu, todos viram. Empestaram a praia do
Cabo Branco com gabiões antiecológicos. E como vingança
da natureza estão sendo soterrados pela maré. Dinheiro público
enterrado na areia da praia do Cabo Branco. Bem ali na nossa frente. Mas Marcus
Vilar não foi complacente. Foi valente quando disse: veja o que acontece.
Não é panfleto. É cinema. É fato. É realidade
nua e crua. Com contra e a favor. Só que o 'a favor' está cada
vez mais difícil de justificar. Esse é sempre o problema. O que
não é o problema do filme do Marcus Vilar. Pois ele fez um réquiem
em favor do Cabo Branco. Do cabo que já foi branco mais que precisa ser
preservado como referência ancestral. Cabo esse que me dá referência
aos últimos 32 anos da minha vida. Subo e desço com suas marés.
E vejo isso no filme "Duas vezes não se faz" de Marcus
Vilar.
Duas vezes não se faz
Direção: Marcus Vilar
Ano: 2008
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