(para Eliane Teixeira Bariani)
Há certo tempo, vi aqui neste jornal que entrou em cartaz As Crônicas
de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, filme inspirado
na obra de maior sucesso do escritor inglês C.S. Lewis. Fui atropelado
por lembranças da infância. O filme difere um pouco da verdadeira
história, publicada originalmente em sete volumes, traduzida no Brasil
pelo brilhante cronista Paulo Mendes Campos.
No filme, uma criança, brincando de se esconder dos irmãos, descobre
uma passagem secreta no fundo de um guarda-roupa para a cidade de Nárnia,
repleta de seres mitológicos como faunos e animais falantes. Uma terra
mágica, onde os outros irmãos fazem parte de uma profecia para
salvar a terra dos domínios da feiticeira. Fica implícita a crítica
contra o poder autoritário do nazismo, e uma influência do cristianismo,
apesar de ser polêmico esse fato, principalmente por causa do universo
imaginário.
O fato é que, quando eu era criança, minha irmã Eliane
sempre dizia ser proprietária de uma chave, um tanto quanto diferente,
na verdade uma tampa de perfume em forma de chave. E essa chave abria uma dimensão
para um outro mundo, dentro do meu guarda-roupa. Eu, na inocência pueril,
acreditava na chave e no mundo mágico repleto de brinquedos que ela trazia
de dentro do guarda-roupa.
Não sei se ela leu Lewis, ou se a criatividade foi dela, a invenção
extraordinária que me surpreendia tanto. Inclusive sendo capaz de relevar
suas artes, suas peraltices em meu desfavor. Inclusive hoje ela é prova
concreta que desmente o credo de que "criança excessivamente peralta
será adulto perdido", por ser hoje um exemplo de fé, estabilidade,
amor e persistência. Trabalha numa árdua ocupação
de oficial de Justiça, cumpridora responsável de suas obrigações.
Hoje ela é uma das poucas que conseguem "dobrar" e acabar de
vez com as crises do meu filho mais velho. Essas crises e birras que meninos
de três anos adoram, vez por outra, nos brindar! Coisas que passam com
a idade.
Talvez tenha sido esse imaginário que me propiciou o apreço pela
ficção literária, um estímulo à criatividade
nesse ofício de escriba. Pois tolher a fantasia na infância é
podar um desenvolvimento futuro do exercício mental.
Nárnia não foi exatamente o mundo que viajei na infância,
mas um mundo diferente, repleto de brinquedos, fábulas, histórias
e outras invenções. Talvez até melhor que Nárnia
de Lewis, pelo fato de presenciar em vida as viagens no mundo do armário,
ao invés de viajar apenas nas páginas de um livro.
Hoje voltei no tempo, e vislumbrei aquele esconderijo. Tantas vezes procurei
a chave escondida! Outras vezes encontrei a chave e não vi a fechadura,
mas me senti poderoso com a posse do objeto que abria a dimensão do novo
mundo. E ali voava, encontrava tesouros, conhecia coisas alhures. E por acreditar
que podemos hoje melhorar o mundo, cada um com o seu exemplo, superando as próprias
barreiras, é que fico grato pela infância desfrutada no outro mundo
do guarda-roupa: tudo ofertado por minha irmã.
Crônicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa
The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe
Direção: Andrew Adamson
Duração: 169 minutos
Ano: 2005
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