Nenhum machista gostará de O Código da Vinci. Já as mulheres devem, todas, assistir à obra
de Dan Brown, uma autêntica ode ao feminismo e à superioridade feminina.
O Código da Vinci é uma espécie de desagravo de seu autor aos séculos de opressão e de negação à vida civilizada imposta às mulheres. Ainda que outros méritos não tivesse, só por escancarar de forma contundente, aguerrida, sensível e bela esta Verdade cristalina, o filme de Dan Brow já se faz merecedor de aplausos calorosos
Deixando de lado todos os bons ingredientes fílmicos (a acurada fotografia realça a beleza
secular da adorável Paris), o autor nos instiga a pensar sobre a história da
condição feminina no mundo em milênios de opressão e história subjugada,
desmascarando a abjeta apologia da superioridade (tacanha, vulnerável)
masculina. Este é o dado mais forte de O Código da Vinci e desconfio mesmo
só as mulheres submissas, omissas, subjugadas e/ou reprimidas, conformadas com
sua imposta situação de inferioridade, não gostarão do filme que bate recorde
mundial de bilheteria. Ou ainda as que têm muito medo de se defrontar com a
fortaleza implícita de sua condição, qual seja a de portadora do amor,
porta-voz do sagrado ofício da pró-Criação, ícone máximo do desejo, da libido,
apanágio do sentimento no mundo. Só mesmo essas podem não gostar do filme ou ser
contra sua exibição. Ao contrário, pra nós outras, sabedoras da grandeza
biológica inerente à condição feminina e cônscias da fortaleza intrínseca de
nossa complexa psiquê - capaz de superar até mesmo a incomparável dor do parto
e suplantar os paroximos da violência masculina tão corriqueira -, o filme cai
como uma luva: é como se de repente todas as mulheres do mundo fossem chamadas
a se dar as mãos para formar um enorme e uníssono coro, do qual se cantasse
baixinho e doce, como vozes emolduradas por um violino clássico: "Quando
talvez precisar de mim, você sabe que a casa é sempre sua, venha sim..."
E, de mãos dadas com a gente, Chico Buarque, o grande menestrel do louvor
à feminilidade, e outros tantos
seguidores do genial compositor, também se somariam ao nosso coro. E numa voz
só se ouviria: "Eu sou sua alma gêmea, sou sua fêmea, seu par, sua irmã/
Seu jeito, seu gesto, sou perfeita porquê/igualzinha a você..." Ou:
"Você não merece o que eu te fiz, tentando te mudar/ Como se o forte fosse
eu... Você não merece o que eu te fiz, só pra te machucar/ Como se o certo
fosse eu" (Herbert Vianna). Aí não dá pra esquecer o sábio Gonzaguinha: "Por acaso algum dia
você se importou em saber se ela tinha vontade ou não/ E se tinha e transou
você tem a certeza de que foi uma coisa maior para dois ?/Você leu em seu rosto
o gozo, o gosto da festa, e deixou que ela visse em você toda dor do infinito
prazer/ E se ela deseja, e você não deseja/ Você nega, alega cansaço ou vira de
lado, e se deixa levar na rotina, tal qual um menino tão só, no escuro
banheiro, folheando revistas, comendo as figuras..." E tem ainda o Mestre John Lennon com a sua arrepiante
Woman...
Formatos diferentes para faces de uma mesma moeda. Pois estes Artistas, de obra exponencial, se comparando, são assim
espécimes de Dan Brow a evocar, através de suas pérolas musicais, esta mesma reverência sábia à mulher, a
necessidade urgente do respeito a Ela, o tratamento igualitário, o lugar
merecido na Civilidade - pelo qual lutaram/lutam mulheres no mundo todo -, o
revolucionário companheirismo tão almejado por todas nós. É sutil e precioso o
enigma da Rosa - o mais tocante deles: a Rosa significa o Feminino, o segredo, o rumo certo. A Rosa, também ela uma Mulher, símbolo
máxime, portanto, da Sensibilidade, este condão da Alma, crucial para o
desenvolvimento salutar da Humanidade.
É preciso
ser muito senhor de sua masculinidade, e das intrincadas tessituras formadoras
do pathus masculino e feminino, para
reconhecer na mulher as muitas, diversas e por vezes diminutas partículas de
que é feito seu todo, Superior. Só mesmo alguém muito livre e prenhe da vontade
de se perder no outro, de mergulhar em estado de alteridade, é capaz de assumir sua completa dependência do outro,
representado sempre pela ânima feminina,
ainda que encontrada noutro homem. Quando Vinícius
cantou "Há sempre uma mulher à sua espera com os olhos cheios de perdão e
as mãos cheias de carinho" apontava a luz no meio do caminho legando ao mundo uma das mais belas
poesias de Amor, de ode à feminilidade e de celebração do encontro homem x
mulher. Ao contrário de muitos, de cuja mente estreita só conseguem enxergar
nos versos citados grande demonstração de machismo, as palavras de Vininha são sim um hino de reverência à Mulher e sua
inegável/incomparável capacidade de doação, entrega, mergulho no lago escuro da
paixão e invejável pendor ao Perdão, expoente máximo da grandeza de Alma
(só possível às mulheres, e aos Homens que não subjugam em si mesmos a ânima). Reconhecendo preferencialmente
nas mulheres essa faculdade ímpar do saber Perdoar, o Poeta confessava ao mundo sua extrema admiração pelo Ser Feminino e
sua completa adoração às mulheres.
Afinal, somos nós, sempre, o grande motivo da obra de Vinícius de Moraes. Se Vininha fora machista, como querem crer seus
incongruentes detratores, não seria a Mulher,
obviamente, seu sublime e permanente artefato de inspiração.
Enfatizando o quão a Mulher foi injustamente expatriada do direito à
vida, primeiramente; depois à Saúde, à Educação, à Longevidade, ao pensar, ao
sexo, ao trabalho, ao voto; colocando em relevo a opressão de séculos
perpetrada pelos dogmas religiosos às mulheres, Dan Brown surge em momento
oportuno para escancarar sua desaprovação ao que foi imposto à mulher de forma
tão vil, causador de tantos estragos à Humanidade, ainda hoje. Serão
necessários muitos outros anos - oxalá não mais séculos - para se constatar a
inserção da presença feminina no mundo de forma respeitosa e digna.
Não se trata de crer ou não em Deus, de acreditar ou não na existência de Cristo ou na
disposição de se sacrificar pela Humanidade. Quem só enxerga o filme por este
prisma, só pode estar impregnado de sectarismo, ortodoxia e dogmatismo.
Trata-se, isto sim, de mostrar o quanto a Igreja Católica e seitas como a Opus Dei sempre quiseram ocultar a força
do feminino presente em tudo, determinando a história da Humanidade, e negar a
evidência do encantamento masculino pela sensualidade inerente à Mulher. É
próprio dos covardes negar uma evidência quando esta lhes incomoda ou colocá-la
no terreno do mitológico porque fica menos difícil lidar com o Conflitante ou o
Desconhecido nessa perspectiva. Ou fica mais fácil subjugar o diferente e
superior negando-lhe o acesso à Luz, aos trâmites normais da vida em sociedade.
Nesse viés, foi muito bem arquitetada a artimanha capaz de fazer crer às
mulheres sua inferioridade, sua condição subalterna, sua destinação à vida sem
muitos direitos e poucas garantias de honradez. Foi só suprimir sua presença da
hora sublime da Ceia, dotá-la da condição de excluída e rechaçar a sublime
verdade da Emoção como dado comportamental superior à Razão. Afinal, as
mulheres tiveram sempre predomínio emotivo sobre os homens. Era tratar então de
insistir na afirmação segundo a qual a Emoção não vale nada. Somente em meados
dos anos 90, surgiram os primeiros estudos sobre a chamada Inteligência
Emocional - e aí já mostrando-a como um ingrediente essencial possível a todos,
e não só às mulheres.
A partir da
situação apresentada em O Código da Vinci, somos levados a
fazer analogias: fica fácil perceber muitas outras situações similares de
desrespeito à história e à condição feminina, escárnio, ofensa e maus tratos
despudorados impostos às mulheres. Basta lembrar passado recente: as mulheres
não podiam sequer aprender a ler e a escrever, fazer Teatro, passaram anos
casando com quem o pai escolhia, não podiam se maquilar nem desfilar no
carnaval. Usar calça comprida ? Um escândalo, só causado pelas depravadas.
Votar ? "Pra quê ? Elas não sabem de nada mesmo..." Ter prazer ?
"Que absurdo ! Isso é coisa de prostituta..." E por aí seguiam os
impropérios.
Enfim, O Código da Vinci é uma obra, antes
e acima de tudo, importante para a condição feminina e tomara sirva como mais
um contundente instrumento de conscientização para tantos quanto ainda insistem
em ver na mulher um ser inferior, aos que se acham no direito de matar caso se
sintam "ofendidos em sua honra" (infelizmente, os telejornais vivem a
noticiar estes crimes odiosos); e que sirva, sobretudo, para elevar a auto-estima feminina e para fazer de nós, mulheres,
pessoas mais destemidas, aguerridas e poderosas em busca de nossos sonhos,
desejos, e nossas vontades mais recônditas.
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