A este mote
"A mulher é defeituosa e bastarda, pois o
princípio ativo da semente masculina tende à
produção de homens gerados à sua perfeita semelhança.
A geração de uma mulher resulta
de defeitos no princípio ativo".
(São Tomás de Aquino, Summa Theologica).
Esta sou eu !
Carrego
o dom das bastardas mulheres do século XX. Um defeito ocorreu no "princípio
ativo da semente". E aqui estou, em pleno século XXI. Tal qual,
indecentemente, relatou Aquino. Tatuada fui... cicatrizes imperceptíveis
ao Mundo me ardem às costas: São Elas... na metamorfose do interior
deste casulo que já não suporta a ínfima feliz figura que
sou!!!!
E
não sou capaz de voar...
Fixas, minhas Asas se atêm à massa sob meus pés humanos.
Liberta-me...
Liberta-me
que a carne (proferiu um dia Augusto dos Anjos) "... apodrece sob os ossos
que nos sustentam".
Liberta-me
para o sopro das mãos que giram o mundo. Liberta-me que sou filha de
Zéfiro... O vento que me incita nada tem de brando ou suave...
É
avassalador... liberte-me que preciso voar...
Dê-me a solidão
necessária...
A
dose certa do ópio !
O
exato tempo para que eu possa ausentar-me do humano lascivo que somos e suportar
a lassidão da mediocridade em que estamos embriagados..
Liberta-me
que preciso voar!!!
Longe vai a perfeição da Natureza
de que não sou capaz.... Bastarda porque assim quero ser: um Homem falhado
sou, pois 'o princípio ativo da semente masculina' me fez Mulher e somente
a Mulher é capaz de perceber a pequenez da vida humana perante a essência
da Natureza..
Liberte minhas Asas até
o extremo da minha lucidez... liberte-me que o casulo já me sufoca há
tempos... dê-me a insanidade necessária... dê-me a pane virtual
do cavalo de Tróia... não sou capaz de ministrar meu próprio
cianeto, nem a dose exata da gema ou da Naja fatal; não sou capaz de
cortar os pulsos ou de puxar o gatilho; não tenho a insanidade da magnífica
Ana Karênina, nem a ilucidez inocente de Kart Calbeim ou a lassidão
consciente de Raul Seixas e Cássia Keler . Assim me criaste Senhor. Imperfeita
ínfima feliz figura que sou. Não sou capaz de injetar o vírus
fatal ou de ser o marginal da sociedade hipócrita da qual faço
parte. Nem sou capaz de ser um suicida romântico das Torres de Marfim
ou das tecnologias do século XXI... Uma inexorável covardia humana
paira sobre minhas Asas... E não sou capaz de voar.
De fato, o criador sabe o que faz: Jamais dará Asas à Cobra. E
aqui estou frente à enigmática Serpente Agostina, tão vital
à nós habitantes quanto o antídoto à picada da Naja.
Liberte-nos... que precisamos voar!!!
Margarete Louzano