A Garganta da Serpente
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PERDIDO ENTRE OS ABISMOS DA VONTADE


Saio fora desta cidade, mas onde eu vou?
Bem distante é onde eu estou, é onde eu sou.
Perco-me dentro desse labirinto de circunferências antagônicas.
Mas quem realmente eu procuro nessa miséria de povoado?

Migrante de um recorte pré-determindo.
Sou um povo que veio, fiquei aqui -
sou eu (meus antepassados):
Migrante!
Meu lugar nesse vilarejo, sou esse povo!

Viajo de trem,
sou esse comboio alucinado
partindo do Brás.
Meu coração despedaçado no Marco Zero,
Minha angústia desprezada nos vagões sujos.

Periférico!

Sub-cidadão errando por toda a parte “histórica”.
vagando pelo sub-bairro,
quebrando as regras de “não vá muito longe”.
Vou!, ando a pé pela mesquinhez dessa metrópole
e ela não vai muito com a minha cara.

Mas vou ao cinema,
vou no seu carnaval enterrado numa lama de televisão.
Me ergo deste lado oriente da metrópole que me abriga.
Passeio pelo seus museus.
Gosto de seus cenários.

Ode (ódio) aos heróis da megalópole.
Os mesmos que aniquilaram e trucidaram os diferentes.
Eles não são os heróis da minha avó.
Malditos padres, malditos vermes, malditas caravelas...

Tomem o lugarejo, dêem-lhe outro nome:
Executem os autóctones, os nascituros,
ergam o templo dos vitoriosos,
deixem que Ele determine as extravagâncias
acirrem os petulantes que pelados anarquizam o paraíso.
Vila desamparada,
seus barões te estupraram.
Continua o massacre:
meu massacre perante teus olhos.
Olhos de fome dos ícones modernistas,
tropicalistas selvagens.

Desamparo nas águas do rios
que poluídos margeiam as pistas lotadas de carros solitários.
As árvores, os verdes...
Outras histórias.

Tudo me desespera dentro de ti.
Mas saio desse subúrbio e
encontro a literatura nos seus livros;
Mas suas bibliotecas são tão escassas...
Faltam-me palavras para elogia-la.

Paulistano solitário dentro de ti.
Seu centro não abriga mais o esplendor.
Estou no seu cinema caído em ruínas,
já aboliram a gravata, já desconcertaram a ipirangacomasãojoão.
Suas garoa encoberta pela fumaça.
Covardia!

Meu inconsciente não sossegará diante da tua
performática solicitude.
Incoerente!

Vislumbro cada partícula dessa matéria que você foi erguida.
Meus soluços por você são incontroláveis.
Faço parte do desguarnecido apogeu da
semelhança caótica que ronda seus pares.

São Paulo, aguerrida, covarde.
Matou-me...
Sinto tanto desconcerta-la
Minha vida passa por aqui,
Passará?



JONILSON NOBRE MONTALVÃO

(Paulistano, nascido e residente na periferia da Zona Leste paulistana)
postado em 28/1/04
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