que luz é essa que amarelece São Paulo
pintada de branco numa convulsão negra
ao cair da noite?
que luz é essa sobre a cidade
fixa sobre estacas de rostos humanos
e descolorida na tarde
como a mulher amada
depois do cisma do amor
ainda dançante de corpo duro
que se apresenta relampejante
no rebuliço das manhãs?
que luz é essa
que luz é essa
parada ofuscante
longínqua
sem pressa
a atravessar as ruas
os prédios altos as janelas
fechadas no despedir de novo dia
orquestra desigual
tocando sempre
a mesma melodia
sibilinas mágoas caiadas
de cansaço
um certo torpor massacrando
os olhos do povo desencontrado
um fulgor já perdido no tempo
ou o beijo rasante de desejo
que deposito lívido
no teu regaço?
que luz é essa da cor do mar
desfeita de cinza no azul-anil
senão o combóio do viver imparável
conquistando terra ao lugar
onde os colonizadores se contentaram
com o pau-brasil
num dia lamacento de chuva
e com um pedaço de vento
apenas para voltarem
a construir novos barcos
e continuarem a navegar