"As batalhas nunca se ganham.
Nem sequer são travadas. O campo
de batalhas só revela ao homem a
sua própria loucura e desespero,
e a vitória não é mais do que uma
ilusão de filósofos e loucos..."
William Faukner, O Som e a Fúria
A obra Literaria "Licânia" de Clauder Arcanjo por si só
já se apresenta esteticamente bonita, principalmente enquanto projeto
técnico-editorial também. E você, logo de cara, fica curioso
a pensar de curtir para o mais breve momento possível o poder possuir
o livro, adentrá-lo a partir da própria bela sedução
do projeto da Capa (Tobias Queiroz//João Helder Alves Arcanjo).
Depois você para a correria da loucura que é a labiríntica
Sampa de tantos contrastes sociais e impunidade generalizada, se aquieta como
pode na medida do possível, se acomoda entre um blues e um copo de cerveja,
e entra de cara na obra, vivenciando a expectativa de um estar-Crusoé
em lugar novo, cidade do interior, procurando o entretenimento do remanso possível
na arte. E pesca o primeiro conto "A Casa".
Alias, você entra literalmente nela pela mão do autor também
cativante pelo modo que cria seus contos, contos-crônicas, narrativas
cativantes, bonitas. Você "vê" o tipo nas palavras, como
elas se apontam e conduzem você serenamente. O veio da narração
entorpece, leva, consolida a imagem da contação. Lindo enlevo.
Qualidade ficcional.
Rua: casebres e mansões. Panos do tempo. Carcaças entrecortadas
feito memoriais de percurso e releituras de vida com suas tantas significâncias
de amor e dor. Arquivos e seus musgos. O colégio. A música. A
vida com suas perdições e harmonias, levada na flauta. A sonata,
o boné.
Contações gostosamente perfeitas. Clauder Arcanjo e a dor-partituras
das suas histórias. Personagens maviosamente humanos resgatados, pinçados,
pintados assim no palavrear aqui e ali costurando um lado meio zen-bucólico.
Identidade: a bruta dor. O Conto-ideia Cemitério, então, terno,
paradoxalmente assustador pela loucura-leveza que prediz da criação-condução
de. Daria um belo romance bem interessante, se o autor o aumentasse e fizesse
tomar vulto para tanto, na engenharia das palavras para as quais tem belo acervo
de recursos.
Pensei aqui e ali no Incidente em Antares, de Érico Veríssimo,
mas o conto se virasse obra maior e encorpada, teria ainda mais beleza poética,
com trejeitos da cidade que loca Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia
Marques, algo mágico, o encantamento depois da morte, da fatalidade,
uma cidade-nuvem, assim, alumbramento-lugar. Ainda um conto e tanto, o melhor
do livro.
"As historias não são nossas(...) São daquele que
fez o caminho no caminhar" (In, pg 52, Pó do Chinelo). A vida tem
as tintas, tem os remorsos, mos e pós do tempo que nos enlivra nas acontecências
também. Lindo conto O Sineiro. Tocante, quase mágico-poético.
O conto O Riso do Cão tem um "de-que" de causo, bem delineado,
feito histórias que o povo conta.
Os contos te tocam com leveza, acenam, despacham-se e lá se vão,
leitura a fora, revelações a dentro, mais a imaginação
do leitor que também pesa ao assumir de per-si o que lê e alumbra
em sua mente envolvida.
E me fizeram evocar o retratista de meu tempo de criança, la na minha
aldeia-mãe de criação, na linha do tempo pitoresca, o lambe-lambe
capturando as entranhas da alma das coisas, das pessoas e paisagens, de sombras
e penumbras delas, da cidade entregue ao deus-dará, de seus pretos e
brancos, pretos e prantos, escombros e ramificações humanizadas
de.
Clauder Arcanjo é um retratista das palavras. Coloca em sépia
alguns momentos, figurando-os, com ternura e leveza. Mas sempre mantém
o norte da mão em seu caudal criativo, somando fatos imaginário,
suas construções arejadas, arquitetura de palavreiros, feito assim
ainda um recolhedor de pertencimentos de seu tempo, sua época, com seu
olhar ora irônico, ora cheio de humor, mas num delineamento que enserena
verbos, tópicos e finais. A baunilha dos parágrafos.
Traz a singeleza da vida pro livro, para o seu tão peculiar contar. Descreve
cores e cenas com fruição embonitada da própria riqueza
do olhar extremamente sensível. Um retratista de qualidade pescando no
remanso do cotiadiano dia-a-dia de uma pacata cidade do interior, que se alimenta
de seres e de suas sensações e movimentos. Licânia. Contos,
ou todos eles aparelhados formando um romance?
Clauder Arcanjo encorpou um livro bonito, que se apresenta bem e encrespa a
cabeça do leitor com gosto de, ao final, querer mais e o que era bom
acabou-se, quem leu arregalou-se, como dizia o Palhaço Buscapé
de meu circo de antigamente.
O escritor provendo sua situação de estar no mundo. Julio Emilio
Braz (Histórias Maravilhosas de Povos Felizes) diz que as histórias
que contamos nos dão a eternidade...
Clauder Arcanjo desenha momentos resgatados de vidas no que muito bem retrata
literariamente. E se faz parte do acervo literal pelas suas próprias
mãos e com a sua bela paleta arquitetural de contações
em alto estilo.
Licânia
Autor: Clauder Arcanjo
Editora Sarau das Letras
130 páginas
2007
Quer outra dica de livro? |