I
Era uma vez um rei muito bondoso e muito, muito rico, como devem ser todos
os reis. Ele governava um grande país que ficava pra lá do fim
do mundo. Era bondoso, era rico, mas era também um rei triste. Nunca
ninguém jamais ouvira o som de uma risada saída daqueles lábios
reais. Às vezes um leve sorriso. Um sorriso triste. Era bondoso, rico,
triste e jovem. Jovem e muito bonito. Tinha longos cabelos levemente encaracolados
nas pontas e uma barba curta e bem cuidada, de uma cor pouco mais escura que
os cabelos, os quais trazia sempre presos à nuca por uma fivela entalhada
em osso de dragão. Dragão, sim, por que não? Você
já viu histórias de rei sem dragão? Na verdade foi esse
mesmo dragão que o rei, seu pai, quando o nosso rei triste era apenas
um príncipe, decidiu enfrentar. Matou o dragão que ameaçava
seu reino, mas ficou tão ferido que logo após veio a falecer.
Foi quando o príncipe virou rei, um rei triste. Já era triste
quando era príncipe. Acho até que já nasceu triste, porque
nem chegou a conhecer sua mãe, a rainha que morreu ao dá-lo à
luz. Diziam que era a mulher mais bela de todos os reinos e além da tristeza
deixou também para o filho a beleza de seus cabelos dourados e de seus
profundos e tristes olhos escuros, tão escuros quanto a sua tristeza.
Foi assim que ficou órfão de mãe e de pai o nosso querido
príncipe que virou rei. Um rei jovem, bonito, bondoso, rico e triste.
De vez em quando seus conselheiros, ministros e secretários, que gostariam
de ter um rei alegre, vinham lhe dizer que o que ele precisava era achar uma
linda princesa, casar-se e tornar-se um rei feliz. Era a solidão que
o impedia de ser feliz. Alguém falou outro dia mesmo: "O poder é
solitário". O rei tinha lá suas dúvidas. Vivia despachando
de seu castelo pretendentes graciosas, ricas representantes de ricos países
que vinham lhe oferecendo tudo de tudo. Ele as tratava gentilmente e as dispensava
cordialmente. Logo cansou-se das festas e das badalações e ordenou
que seus ministros parassem com essa coisa que viviam lhe impingindo e passou
a fazer longos passeios pela floresta. Claro que havia uma boa floresta, como
em todas as histórias de reis, de fadas e de bruxas, não é?
Levava sempre consigo seu amigo mais fiel, uma belo cão de guarda cujo
nome era Fidalgo. Num desses passeios, em certa tarde de outono, quando as folhas
das árvores ficam douradas e caem forrando as trilhas da floresta com
macio e estalante tapete colorido, o cão Fidalgo assustou-se com algum
pássaro e saiu como louco em sua perseguição. O rei triste,
com medo que ele se perdesse naquele intrincado mundo de árvores altíssimas,
correu em seu encalço, chamando-o angustiado. Quanto mais o rei corria,
mais iam-se distanciando os furiosos latidos de Fidalgo. Afinal, encontrou-o
sentado à beira de um imenso charco, acompanhando com olhar fixo os voos
circulares do pássaro que sobrevoava o pântano como se desafiasse
o inquieto animal a prosseguir sua perseguição feroz. O pântano
estava velado por espessa neblina que parecia também esvoaçar
sobre a sua superfície, algumas vezes subindo, permitindo a visão
e logo após descendo cerrada, de modo a escondê-lo completamente.
Era um local assustador e um tanto fantasmagórico que Fidalgo jamais
se atreveria invadir e o pássaro continuava a exibir-se em voos
rasantes ou subindo às alturas e parecia comandar o movimento da cinzenta
neblina, ao mesmo tempo em que desafiava a coragem do cão. O rei quedou-se
ao seu lado admirando o espetáculo e num daqueles momentos em que o pássaro
elevava-se levando consigo a forte neblina, o rei pode ver, bem no meio do charco,
uma belíssima flor branca que tremulava e se agitava como se quisesse
fazer-se notar, ou talvez aquela agitação significasse um pedido
de socorro: que a tirassem dali, do meio daquele lodo negro, antes que
sua imaculada brancura ficasse prejudicada por aquelas águas pútridas.
O rei não podia entender a existência de uma flor tão bela
e fresca quando o outono já ia bem adiantado e fazia secar toda e qualquer
vegetação da mata. Encantou-se o olhar do rei triste e seu bondoso
coração sentiu-se constrangido e corajosamente invadiu o charco,
enterrando suas reais pernas na lama fétida e pegajosa que já
estava a lhe atingir os ombros quando suas mãos se aproximaram do caule
da flor, para afoitamente arrancá-la do lodo negro. Nesse instante, um
grito de medo cortou os ares : "- Aaaaiiii! Por favor, não
me arranque pelo caule, pois irei arrebentar-me e certamente morrerei..."
O rei, assustado, olhou em torno de si. De onde vinha aquela voz meiga e soluçante?
Estaria ficando louco ou sofrendo alucinações causadas por gazes
emanados pela putrefação de matéria orgânica, misturada
à lama apodrecida? Teria partido da bela flor tais palavras?
Da margem, Fidalgo temendo pela segurança de seu rei, latia furiosamente,
correndo de um lado para o outro, sem, porém atrever-se a penetrar nas
águas lamacentas do charco.
- "Quem enunciou tais palavras? Teria sido você, bela e branca flor,
ou estarei sofrendo efeito dos gazes produzidos pela decomposição
de animais e vegetais deste terrível pântano, provocando delírios
em minha mente real?"
- "Não, não, meu rei. Fui eu mesma que falei. Esta pobre
e infeliz flor que tanto tem a lhe contar. Por favor, leve-me daqui e tudo lhe
direi. No entanto é preciso que procure retirar o vaso de ouro onde meus
pés, isto é, minhas raízes encontram-se enterradas, mas...
espere. O vaso é guardado por muitas e muitas serpentes possuidoras de
mortal veneno e se picarem seus reais braços ou suas reais mãos,
com certeza provocarão morte instantânea".
- "Mas, então, como livrá-la desse triste destino, minha
bela e perfumada flor? O que devo fazer?"
- "Retorne à margem. Procure entre as árvores da floresta
uma sengazeira. Dela colherás três frutos. Os sengás são
frutos dourados, ocos e transparentes como se de cristais opalinos fossem feitos.
Deve quebrá-los cuidadosamente e deles beber todo o líquido amargo
e ardente que neles está contido. Esse líquido é o antídoto
que lhe dará imunidade à peçonha desses répteis
imundos."
Sem pestanejar o amável rei correu de volta à margem para gáudio
e alívio de seu fiel cão.
II
Bem, o rei conseguiu salvar a flor e o vaso de ouro. No palácio, em
seus aposentos, ficava a admirar a bela flor e acabou perdidamente apaixonado,
porém a linda jovem transformada em flor pelo feitiço da bruxa
não podia revelar o segredo que a desencantaria. O rei pensava e pensava
e nada dizia a flor que lhe indicasse o que fazer para ver a branca flor transformada
em linda princesa e poder tomá-la como esposa.
Agora ....por que teria a bruxa transformado a moça em flor?
III
(Eu imagino que a bruxa fez o feitiço porque era uma atriz frustrada e odiava a jovem princesa que andava fazendo sucesso entre as troupes circulantes do reino e pelo palácio, quando por ali passavam, além de ser uma princesa rebelde que desafiava o rei, seu pai, Ele que morria de vergonha ao ver sua linda filha e princesa às voltas com atores e atrizes, miseráveis vagabundos dos circos e faziam a felicidade de seus súditos pobres e tolos. )
IV
O jovem rei, desesperado, vendo que dia após dia sua linda flor dava
sinais de ir-se emurchecendo, tomou o vaso de ouro em seus braços e chorou,
chorou copiosamente.Foi quando... Eureca! Era de uma lágrima real que
a flor precisava receber em suas pétalas de neve para desencantar-se.
Não mais que de repente, era uma lindíssima jovem que o rei triste,
já então alegríssimo, teve nos braços.
Só sei que o rei triste deixou de ser triste! Renunciou ao seu reino
que deixou por conta das baratas e baratos, claro! Descobriu que era triste
porque havia estado no lugar errado, entre pessoas erradas e resolveu correr
mundo com sua linda princesa.
V
Daí então?
O rei triste descobriu que a felicidade não era resultado do poder e
do luxo. Descobriu que feliz é o homem quando aprende que para ser feliz
necessário se faz encontrar, na trajetória da vida, amigos semelhantes,
afinidades nos sonhos e no trabalho e esse trabalho era a missão de levar
alegria aos que fossem tristes como ele foi.
Encontrou em sua flor encantada o verdadeiro motivo de viver e foram felizes
por muitos e muitos anos, por todo o tempo em que puderam se abastecer da alegria
que partia dos aplausos do seu povo e se multiplicavam em suas almas...
FIM