O amarelo do dia entrava pela fresta da janela, mais um dia começava.
Mesmo sem sair da cama podia vislumbrar a rua. Andou até a janela, porém
deixou-a, aquilo podia esperar. Ligou o rádio, para só então
puxar as cortinas e abrir o vidro. Ao fazê-lo corre as mãos pelos
cabelos sentindo o vento gelado em seu rosto.
Do outro lado da rua deserta, um tapete de flores e folhas marrons ensaiavam
uma dança com o vento. Ao som de Billie Holiday, que escapava pela janela
aberta. A iluminação do palco era responsabilidade do sol. Algumas
folhas foram tiradas para dançar, mas apenas uma foi escolhida, com sua
malemolência contagiante. As outras pretendentes lançaram-lhe olhares
de aparente indiferença quando na verdade, todas queriam estar em seu
lugar.
Os dançarinos não levaram em conta tais olhares de reprovação.
Continuaram seus movimentos, envolvidos demais para se lembrarem do mundo a
sua volta. O espetáculo era fascinante, uma folha robusta que contrariamente
ao que se podia imaginar bailava elegante, leve, sedutora, era conduzida suavemente
por seu companheiro, eram dois amantes conscientes da efemeridade do momento
que saboreavam.
Ao luar seria perfeito - disse da janela para si, só então percebeu
o cuidado do cavalheiro com sua dama - não haveria melhor ensejo, este
se fez impecável. Entendera que o sol pertencia a eles. Sorriu. A canção
chegou ao fim, após o último passo separam-se exaustos... Não
há lugar para lamúrias ou arrependimentos. As fichas foram jogadas
todas de uma vez.
Ambos sabiam o que muitos seres tidos como pensantes ignoram; a vida é
uma quimera que anseia ser vivida.
(12/08/2009)