O autor apresenta as mudanças de suportes vivenciadas pela literatura de cordel na Paraíba, desde o folheto até o ciberespaço, promovendo análises de como essa literatura já foi vista como morta e hoje encontra na internet um espaço amplo de divulgação de suas produções poéticas e análises acadêmicas, de seus poetas e pesquisadores. E conclui que a internet é um suporte que abriga várias formas de fomentar o cordel paraibano, analisando as experiências dos sites "Cordel Online" e "Cordel Campina".
Internet; Literatura de Cordel; Paraíba
Nesse artigo pretende-se apresentar a trajetória do gênero Literatura
de Cordel na Paraíba, desde a sua origem até a internet. A pesquisa
começa apresentando as origens do cordel que remetem à Europa
na Idade Média. Apresenta sua chegada ao Brasil trazida pelos portugueses
e sua identificação e preservação no Nordeste brasileiro.
Logo após é feita uma relação entre cordel e mídia.
E se chega ao ciberespaço, em especial a internet, e sua interação
com o gênero.
A pesquisa é embasada por bibliografias retiradas de livros e de portais
renomados da internet. E são apresentados questionamentos que promovem
o aprofundamento das discussões em uma temática muito pouco explorada
por pesquisadores no Brasil e no mundo, como são as mudanças de
suportes da Literatura de Cordel.
Em meados do século XII na Europa Feudal, vivendo sob o regime de suserania
e vassalagem, o vassalo era preso à terra e só podia sair dela
por motivo de guerra ou peregrinação religiosa. E é no
caminho as terras santas que surge a poesia popular oral. Para Luyten (1985)
foi nos vilarejos próximos a Jerusalém, Roma e Santiago de Compostella
que narrando a peregrinação, surgiram os primeiros poetas populares.
Mais conhecidos como trovadores, os poetas e suas rimas se espalharam pela Europa.
Mais tarde, em meados do século XV, com a necessidade de pôr essas
poesias no papel para que pudesse chegar as mais longínquas terras, surgem
a "Literature de Colportage" e o "Chapbook", respectivamente
na França e na Inglaterra, e na Península Ibérica, os "Pliegos
Sueltos" (Espanha) e as "Folhas Volantes" ou "Literatura
de Cordel" (Portugal) - pelo fato de serem folhetos presos por um pequeno
cordel ou barbante para serem vendidos (BATISTA: 1997).
Para Pinheiro (2001), no Brasil, o cordel aparece como sinônimo de poesia
popular em verso, e retrata, de início, histórias tradicionais,
narrativas antigas, que a memória do povo foi conservando e transmitindo.
"Mas ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, começaram a aparecer
a descrição de fatos recentes, de acontecimentos sociais que prendiam
a atenção do público" (BATISTA: 1997, p.87)
E até meados de 1975, juntamente com o rádio, eram as fontes de
informações que chegavam as famílias pobres, rurais e semi-analfabetas
do Nordeste, região esta que recebe de Portugal a Literatura de Cordel,
visto que, no século XVI a capital do Brasil era Salvador. A região
prospera da Bahia ao Maranhão, produz sua própria poesia popular,
seu próprio cordel e o irradia para todo o Brasil.
No Nordeste, por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia, característica da própria fisionomia da região. Fatores de formação social contribuíram para isso: a organização da sociedade patriarcal; o surgimento de manifestações messiânicas; o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos; as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais; as lutas de famílias que deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o surgimento de grupos de cantadores como instrumento do pensamento coletivo, das manifestações da memória popular. (BATISTA, 1997, p.74)
Como foi citado no capítulo anterior, o nome "literatura de cordel"
vem de Portugal, pelo fato de serem folhetos presos por um pequeno cordel ou
barbante, em exposição nas casas em que eram vendidos. Mas o termo
cordel é por muitos questionado por ser uma palavra não utilizada
no Brasil, como sinônimo de barbante, sendo a expressão "folheto
de feira" muito mais freqüente porque os cordéis são
folhetos, pequenos livros feito com folhas de papel jornal, e eram destaque
nas feiras do nordeste brasileiro até o final da década de 80.
Da década de 90 até os dias atuais, a expressão "literatura
de cordel" é retomada com ênfase porque a mesma, enquanto
literatura, adentrou nas universidades e se tornou fonte de pesquisa acadêmica
no Brasil.
Para Lira (2004), a Paraíba é o berço da literatura de cordel no Brasil. Foi nas terras paraibanas, em 1865, que nasceu o primeiro cordelista brasileiro, o pombalense Leandro Gomes de Barros. Quando criança até seus quinze anos, Leandro conviveu com os poetas populares de Teixeira, cidade do sertão da Paraíba,
Cenário de violentas brigas de família, berço de célebres cangaceiros... Lugar privilegiado de cantoria e região de vários poetas cantadores que ficaram conhecidos como o grupo de Teixeira. Dentre eles destacamos: Nicandro e Ugulino (...), Francisco Romano e Severino Pirauá. (MEYER, 1980, p.40).
Aos quinze anos, Leandro Gomes de Barros vai residir em Vitória de Santo
Antão - Pernambuco. "Começou a escrever folhetos em 1889
e sabendo aliar sua vivência de poesia na serra do Teixeira à chegada
da tipografia no Nordeste, imprime seus primeiros folhetos em meados de 1893".
(MEYER, 1980, p.35).
Várias cidades paraibanas são berços de cordelistas, dentre
elas destacamos Guarabira, que segundo SOBRINHO (2003) "tanto teve participação
ativa como foi viga mestre nesse movimento de poesia popular escrita".
Lá nasceu o autor do Cordel "Viagem a São Saruê",
Manuel Camilo dos Santos, poeta e editor de renome nacional.
Atualmente o Estado da Paraíba possui dois grandes centros de cordelistas
que são as cidades de Campina Grande e Patos. Na primeira destacamos
Manoel Monteiro - membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - autor
de "Cartilha do diabético" (2006); Hélvia Callou, autora
de "O famoso Pau do Santo" (2005) e Silas Silva, autor de "Terror
em Nova York" (2001). E na segunda destacamos Janduhi Dantas, autor de
"Patos, terra de calor humano" (2005) e Damião Lucena, autor
de "Cruz da Menina, uma história de fé" (1998).
O rádio, a televisão, a publicidade e agora a internet, são
os principais veículos midiáticos por qual percorre a Literatura
de Cordel na Paraíba. Ela soube se propagar como representante da cultura
paraibana e a mídia percebeu que essa literatura poderia servir de instrumento
tanto para divulgar a cultura popular da Paraíba como para comunicar
com mais eficácia, devido a linguagem acessível do gênero.
Primeiro vieram os programas de rádio que misturam a cantoria de viola
e divulgam cordéis, entrevistam poetas, perguntam sobre as novidades.
Depois o cordel conquistou alguns espaços na televisão, podemos
citar a existência de programas como o "Momento Junino", TV
Borborema, afiliada ao Sistema Brasileiro de Televisão em Campina Grande,
que de maio a julho realiza cerca de 10 programas com cerca de duas horas de
duração cada, especialmente voltados para a Cultura Nordestina,
e o Cordel tem seu espaço garantido. Na publicidade podemos citar o folheto
"Venha viver em Campina o maior São João do mundo" (2005),
do cordelista Manoel Monteiro, que tinha o objetivo de divulgar os potencias
turísticos do Maior São João do Mundo, e foi distribuído
pela Prefeitura Municipal de Campina Grande aos visitantes (campinenses ou turistas)
que em 2005 estiveram no Parque do Povo, espaço central daquela festa
junina .
Nesse contexto, percebe-se que os suportes citados não têm projetos
fixos que perdurem por muito tempo especializados na Literatura de Cordel. Assim,
surge a internet e se instala como o único suporte que tem meios capazes
de priorizar a literatura de cordel como produto e essência de forma continuada
na mídia. Segundo Dramac (2006), o cordel propagado na internet é
o ciber-cordel.
A partir do ciber-cordel, temos uma obra-processo situada por pontos de encontros de temporalidades e espaços diversos, os quais sendo a materialização das experiências vividas por seus autores, transforma-se em diálogo criativo que combina referências culturais múltiplas. (DRAMARC, 2006, P.8)
E na Paraíba encontram-se exemplos concretos dessa experiência de união entre o cordel e internet como os sites "Cordel Online" e "Cordel Campina". Mas antes de expô-los é importante que se reflita sobre o suporte internet.
Segundo Lemos (2004 apud SILVA JÚNIOR, 2004, p.7) ciberespaço
é o conjunto de redes de telecomunicações criadas com o
processo digital das informações. E a internet é um dos
instrumentos do ciberespaço. Para Silva Júnior (2004) é
ela que apresenta para os olhos e mouses dos usuários mundiais,
de certa forma através de interfaces, sites, chats, e outras diversas
dinâmicas, uma janela de entrada no ciberespaço.
O que hoje chamamos de internet surgiu em 1969, durante a Guerra Fria, com o
nome de ARPA (Advanced Research Projects Agency). Segundo Alencar (2005)
sua função era interligar centros de pesquisa do departamento
de defesa dos Estados Unidos. E ainda sob a visão de ALENCAR (2005),
nota-se que foi a partir das experiências na Guerra Fria que um pesquisador
europeu chamado Tim Berners-Lee criou a WWW (Word Wide Web) ou Web, que permite
o acesso a músicas, animações, filmes, textos, sons, etc.
Na década de 1990 ao adentrar nas pesquisas acadêmicas a produção de cordel no Brasil vinha em declínio, acredita-se que devido ao surgimento e massificação de novos meios de comunicação como a Televisão e a Internet. Porém, o cordel surpreende, inova e aceita a internet como um novo suporte.
O cordel subsiste, sobrevive, apesar das idiossincrasias, intempéries, dificuldades e antropofagias da Indústria cultural midiática, globalizante e da invasão cultural norte-americana. São imprescindíveis a divulgação na mídia e na web, distribuição eficiente, abertura de espaços e fóruns de discussão e de publicação de textos de cordel, de autores tradicionais e contemporâneos, para dinamização do movimento da Poesia Popular Universal. A Internet é um espaço primordial e dinamizador de nossa literatura popular. (DOURADO, 2006, p.7)
O cordelista encontrou na internet um espaço amplo, gratuito (no caso dos blogs e comunidades no portal de relacionamentos "orkut") ou pagos (quando o que se pretende é a utilização de um site) e com público em crescimento, para divulgar o seu produto.
Na internet os poetas produzem o folheto, divulgam e existe encomenda. Eles podem imprimir em pequenas quantidades, não precisa de estoque. Isso se chama o fabrico do produto em função das encomendas. Eles têm esta capacidade de se adaptar, de encontrar soluções novas, eles são os verdadeiros heróis dos espaços intersticiais. (SANTOS: 2006 apud WOITOWICS, 2006, p.2)
Nesse contexto, uma das preocupações dos pensadores é que desapareçam os folhetos de cordel de forma concreta, existindo apenas os virtuais.
Muitos pensadores, especialmente os folcloristas, de formação tradicionalista, se chocam com o impacto das novas tecnologias sobre a Cultura tradicional. Enquanto se discutem os estragos advindos das novas tecnologias, o povo vai tratando de processar a sua cultura nas novas tecnologias, e mesmo a própria tecnologia na sua cultura. Assim é que surgiu um poeta cibernético na tradicionalíssima literatura de cordel brasileira. (BENJAMIN, 2000, p.81e82).
Respondendo o questionamento dos pensadores, o cordelista José Honório da Silva, que também escreve para a internet, afirma que o desaparecimento do folheto não se deve acontecer devido à interação entre poetas e leitores que o cordel declamado proporciona.
Defendo os folhetos em papel e acho que eles precisam continuar existindo, tanto pela estética quanto pela cultura. Sem eles não se consegue juntar os amigos para uma leitura ou não é possível guardar de recordação para mostrar aos filhos. (SILVA: 1998 apud MEIRA, 1998).
Segundo o poeta Gustavo Dourado existem atualmente mais de quinze cordelistas brasileiros que divulgam seus poemas na íntegra via internet.
Amargedom, Almir Alves Filho, Anízio Guimarães, Benedito Generoso da Costa, Daniel Fiuza, Domingos Medeiros, Francisco Egídio Aires Campos (Mestre Egídio), Gonçalo Ferreira da Silva, Guaipuan Vieira, F.G C.Dourado, Jessier Quirino, Janduhi Dantas, José de Souza Dantas, Lenísio Bragante de Araújo, Rubênio Marcelo. Todos divulgam seus trabalhos nas páginas da Web com relativa freqüência e constantes atualizações. (DOURADO, 2006, p.6)
A Paraíba também utiliza da internet para fomentar a Literatura de Cordel pelo mundo. E é desse Estado que surgem dois importantes projetos que realizam com sucesso a união da Cultura Popular com as Novas Tecnologias. Os projetos são o site "Cordel Online" que de forma coletiva constrói cordéis via web; e o site "Cordel Campina" que realiza webjornalismo cultural especializado na Cultura Popular.
O site "Cordel Online" foi idealizado e é editado pela Professora
e Cordelista Clotilde Tavares, natural de Campina Grande e residente em João
Pessoa, com o objetivo de resgatar o caráter jornalístico encontrado
em alguns exemplares do gênero cordel. Ele foi lançado no dia 19
de novembro de 2005, dia em que se completou 140 anos do nascimento de Leandro
Gomes de Barros.
O Blog oferece aos internautas um tema recorrente na semana e divulga
um e-mail para que os "webcordelistas" façam suas estrofes
e encaminhem para o blog. A estrofe é analisada pela editora e publicada.
Dentro de dois dias observa-se um cordel construído de forma coletiva
e acessível para qualquer internauta.
O site Cordel Campina foi idealizado pelo estudante de Comunicação Social e Letras Rodrigo Apolinário, natural de Campina Grande, cidade onde mora. Ele foi lançado ao público em fevereiro de 2005, e visa propagar de forma jornalística a Cultura Popular Nordestina, em especial a Literatura de Cordel.
O site cordel campina é uma inovação cultural em Campina Grande, com a responsabilidade de satisfazer as necessidades de pesquisadores, poetas, estudantes, educadores, etc., na área da literatura de cordel. Esta iniciativa está sendo muito bem recebida, justamente pela sua disposição em trabalhar com algo que é tão forte como a cultura regional, principalmente no Estado da Paraíba. (ALENCAR, 2005, p.51).
O site utiliza de mecanismos jornalísticos como a matéria, a entrevista e as fotografias para documentar a produção do cordel no Brasil. Além disso, dispõe de links históricos levando o leitor a conhecer a história do cordel no mundo, no Brasil, na Paraíba e em Campina Grande. Apresenta um banco de dados sobre os cordelistas com nome, pequena biografia e contatos. Dispõe de um dicionário popular com mais de cem expressões tipicamente nordestinas. Além de ensaios e artigos especializados na Cultura Popular e Músicas cifradas que retratem o ambiente nordestino.
O site cordel campina surgiu com a vontade de estimular os poetas populares e ensinar que regional e moderno combinam muito bem, melhor ainda, juntos criam uma fórmula comum a todos os seres humanos, independente de raça, crença, sexo e idade. (ALENCAR, 2006, p. 46)
Percebe-se com essa pesquisa que a Literatura de Cordel na Paraíba
não morreu, ela soube se adaptar as várias concorrências
midiáticas e se sobressaiu chegando à Internet. Hoje sua história,
suas produções e discussões podem ser acompanhadas, lidas,
questionadas por pensadores de todo o mundo. Além disso, a sua estada
na internet comprova a necessidade atual da mídia em propagar o local.
O povo quer se ver na mídia. O público está cansado de
ter acesso apenas ao que é exterior.
Assim, acredita-se que a propagação da Literatura de Cordel paraibana
será crescente, seja na sala de aula, no meio da praça ou nas
várias mídias que existem e que virão a existir.